Vem de ser publicado o livro de Márcio Scalercio sobre Sobral Pinto, personalidade exemplar na consolidação da nossa democracia. Vai o perfil ao advogado canônico, ao católico intransigente e à testemunha determinada da construção das liberdades. Assume a defesa de Luiz Carlos Prestes, no extremo da ética da profissão. Renuncia a ideias de lucro no ganho dos pleitos e vive na quase pobreza. No Centro Dom Vital, compôs, com Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima, a militância cristã do século passado, juntando à absoluta confrontação com o marxismo a dessolidariedade com o integralismo, na grande tentação católica dos anos 30. Mas é um Sobral vindo, exatamente, da tarefa de acusador criminal no governo de Artur Bernardes, e em um país, então, em permanente Estado de sítio, que vai, na sua crença no estado de direito, enfrentar o autoritarismo de Vargas. Assim como, após breve confiança em Castelo Branco, vai condenar, sem ressalvas, o governo militar, em apóstrofe implacável ao presidente Costa e Silva. Não é outro o Sobral da ida ao palanque do gigantesco comício das "Diretas já".
Deve, ainda, o diálogo brasileiro à presença fundadora de Sobral, na feitura de suas cartas incessantes, na crença de que é a partir da explicação de princípios que todo cidadão não pode escapar da opinião coletiva. Sobral não dá descanso ao destinatário das suas investidas. Frente aos silêncios das respostas, segue-se a publicação no jornal das perguntas e das cobranças do advogado. Vão aos milhares esses textos, em mais de setenta anos, pela consciência de um Brasil da justiça e da crença católica, no que seus contendores viam como um "professor de absolutos". Muito dessa perquirição nascia da irrefreável necessidade de explicar-se, frente ao aparente paradoxo de o católico veementemente anticomunista ter defendido Prestes e, subsequentemente, ganho a sua admiração. Foi à denúncia das aparências de ordem, nas instituições, para exprimir a voz das injustiças sem voz dos despossuídos. Tornou-se Sobral o advogado dos favelados da Rocinha, na luta contra a especulação imobiliária do Leblon e da Barra, na voz que se estendeu a tantas periferias do Rio de Janeiro. Nessas subidas aos morros, e diga-o o número de ruas e becos que têm o seu nome, alastrava-se o recado básico: "a liberdade é sempre íngreme", no recado dos seus noventa e quatro anos, indo ao tribunal do júri na antevéspera de sua morte. Sabia-se amparado em seu direito único à audiência e ao respeito dos nossos cidadãos. Nem outra a sua voz na Candelária, frente à massa da passeata-monstro: "Silêncio, quero falar à nação!"