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Sob árvores frondosas

 

O assassinato de bruno e dom é um barbarismo num mundo que preza ou diz prezar o gesto civilizado

Bem que eu queria escrever sobre outro assunto qualquer, preferia que nada disso tivesse acontecido, muito menos na Amazônia. Mas não dá. O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips chocou o Brasil e o mundo, a morte deles no Vale do Javari é o único assunto que hoje interessa a todos nós. Por motivos distintos, mas sem exceção.

Primeiro porque se trata de um barbarismo, num mundo que, mesmo cheio de guerras e escândalos morais, preza ou diz prezar o gesto civilizado. Depois porque a gente tem sempre a esperança de que essas coisas não aconteçam mais no Brasil, qualquer que seja o lado pelo qual pelejamos politicamente.

Apesar de tanta barbaridade visível a olho nu, nosso presidente entregou discretamente a Deus o julgamento do caso. É como se ele reconhecesse que nossos esforços para que o Brasil se torne uma nação são inúteis, enquanto tira uma soneca sob árvores frondosas. Na TV, o vi de péssimo humor responder a Dom que a Amazônia é brasileira e, por ser inglês, o jornalista não tinha nada que se meter no assunto. O Brasil dói no peito, diz Cora Ronai. Ou Alessandra, viúva de Dom, ao ter a confirmação da morte do marido: “hoje se inicia nossa jornada em busca de justiça”.

Enquanto esses pesares, falsos ou sinceros, se manifestam, Paulo Guedes elogia “o legado dos governos militares que fizeram a extraordinária gestão do ponto de vista de infraestrutura”, no processo de privatização da Eletrobras. Nosso Ministro da Economia ainda encontrou um cantinho pra falar bem da ditadura de 1964.

Sobre o assassinato de Alex, indígena guarani-kaiowá morto há três semanas, nada. Nem há nenhuma novidade sobre o assassinato do líder Maxciel Pereira dos Santos; ou sobre antigas e clássicas vítimas como Chico Mendes (morto em 1988) e Dorothy Stang (2005). O Brasil segue o mesmo. Mas agora seus bandidos e assassinos saem de casa e vão pra rua sem medo de nada.

Por volta de 2013, o eleitor começou a ver que nada acontecia como seus representantes eleitos anunciavam e ninguém explicava as razões dos sucessivos fracassos. Enquanto os representantes eram acusados de incompetência e roubalheira, os representados se sentiam ludibriados. E começaram a prestar mais atenção ao que a direita lhes soprava aos ouvidos.

Já votei em Lula no passado. Como também já me desgostei bastante dele. Mas ninguém pode dizer que não sentiu falta de sua presença nas últimas eleições. Agora, no próximo mês de outubro, ele volta à disputa. Para consagrar-se como um desses salvadores da pátria latino-americanos ou para mostrar, no voto, que o povo brasileiro está em outra.

Sempre que alguma revolução, de direita ou de esquerda, ganha a guerra e se instala no poder, depois das alegres comemorações solidárias acontecem sempre noites de terror, com fuzilamentos e guilhotina. Sei lá se isso pode acontecer no Brasil. Mas antes que cheguem nossas brandas noites agitadas, vamos acreditar que a diversidade humana de nossa formação étnica e cultural nos leva em outra direção.

O que o povo quer é quase sempre aquilo mesmo que ele acaba por escolher. Na Alemanha dos anos 1930, Adolf Hitler se aproveitou de oportunistas de centro ou de centro-direita ou de centro-esquerda ou de centro-qualquer-outra-coisa, gente que se protegia se escondendo sob definições indefinidas. E era só os populistas autoritários abrirem os braços, que os oportunistas se atiravam em seus colos.

O Globo, 19/06/2022