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Sinfonia macabra

 

Manhã do último sábado. Um grupo de traficantes da favela da Rocinha voltava de uma festa na favela do Vidigal. Os dois morros não chegam a ser rivais, mas espremem um dos bairros nobres da zona sul da cidade. Tampouco são dos mais ferozes.


O Complexo do Alemão, na zona norte, é mais letal.


Os bandidos estão armados, sempre estão com armas, mas naquela manhã não pretendiam assaltar ou sequestrar os moradores do local. Simplesmente voltavam para casa depois de uma noite de festa.


Um acaso: passou por eles um carro da polícia em ronda de rotina, os bandidos se abrigaram num hotel cinco estrelas de uma rede mundial, obviamente chamado de Intercontinental. Prenderam hóspedes e funcionários, que foram mantidos como reféns para servir de negociação com a polícia. Mesmo assim, o tiroteio se espraiou numa cena de guerra civil.Com o natural direito ao "jus esperneandi", a cidade estupefata correu para as tevês e os rádios que cobriam o tiroteio. A trilha sonora era na base do som direto, metralhadoras e armas de diferentes calibres executavam uma sinfonia macabra, como a dança homônima de Saint-Säens.


Não se tratava de um assalto nem de uma briga entre quadrilhas rivais. Era a natural decorrência de um Estado dentro do outro, com suas leis e propósitos antagônicos.


De certa forma, os cariocas estão se habituando a conviver com a violência. Encaram a luta entre bandidos e policiais como uma enchente que paralisa a cidade, num surto de horror.


Tanto as autoridades antigas como as atuais contabilizam os mortos e feridos e continuam executando planos que até agora não deram certo. O resto da população se exalta contra a polícia e o traficante. Quem paga a polícia é o Estado. Quem paga o traficante?


Jornal do Commercio (RJ), 24/8/2010