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Sérgio e a energia nuclear

 

O Brasil perdeu uma grande figura da sua diplomacia. E também da cultura. O embaixador Sérgio Correa da Costa, membro da Academia Brasileira de Letras desde 1983, somava uma série de qualidades raras na mesma personalidade. Elegante, com domínio de vários idiomas, historiador de primeira categoria, legou ao seu País trabalhos que jamais serão esquecidos, dado o seu inquestionável valor. Isso foi dito no velório, realizado na sala dos poetas românticos da ABL, antes do enterro no Mausoléu dos Imortais.


Suas principais obras figuram no acervo da historiografia brasileira, a começar pelo clássico "As quatro coroas de D. Pedro", lançado em 1942, com prefácio de Oswaldo Aranha. Mais recentemente, lançou "Palavras sem fronteiras", com prefácio de Maurice Druon, famoso autor de "O menino do dedo verde". Ganhou o prêmio do Instituto de France, por recomendação da Academia Francesa.


O último livro, com enorme repercussão, foi "Crônica de uma guerra secreta", em que trouxe à luz inúmeras revelações contidas no período em que trabalhou para o Brasil na Argentina, descobrindo as íntimas conexões da Alemanha nazista com o governo Perón. Isso explica muita coisa, como, por exemplo, as razões pelas quais inúmeros oficiais nazistas fugiram para a Argentina, após o fracasso da II Guerra Mundial. Fomos instados pela viúva Michele, com quem Sérgio esteve casado durante 27 anos, a dizer algumas palavras na missa de sétimo dia, realizada no Mosteiro de São Bento. Oficiada pelo padre Sérgio Costa e Silva, sobrou tempo para que este seu velho amigo lembrasse de uma passagem da Bíblia, Gênesis 1, a propósito do que representou a sua vida exemplar. Reiteramos a existência da árvore da ciência do Bem e do Mal. Essas árvores não existem em nenhum catálogo florestal. São símbolos tirados das lendas da antigüidade.


Ser imortal e fazer tudo o que nos apetece, sem estarmos sujeitos às leis do Bem e do Mal, é uma grande aspiração dos mortais" A afirmação bíblica não passou pela existência de Sérgio Correa da Costa. Ele foi um ser humano que sempre respeitou as leis do Bem, aproveitando-se da sua longa imortalidade acadêmica para a realização de obras notáveis, em todos os sentidos.


Ainda cabe uma referência ao homem público de postos de muito relevo, aqui e no exterior. Visitei-o nos Estados Unidos, quando era embaixador do Brasil junto à ONU. Recebera instruções do Itamaraty para votar contra o sionismo e estava inconformado. Lembro suas palavras: Nosso País tem compromissos históricos com a existência do Estado de Israel. Fui eu que levei o martelo com que Oswaldo Aranha bateu na mesa da ONU para criar o Estado de Israel até o kibutz Bror Chail, onde se encontra até hoje. Como podemos ser incoerentes?


Em outra ocasião, a visita foi ao seu gabinete, ainda no Rio, quando era secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, na época do chanceler Magalhães Pinto. Sérgio abriu uma gaveta e de lá retirou uma batata que, segundo ele, tinha pelo menos quatro meses de vida. Estava perfeita. Falou ao jovem repórter sobre as virtudes dos radioisótopos, ou melhor, da sua enorme crença no emprego pacífico da energia nuclear. Nada de bomba atômica, nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. Era esta a sua formação, o seu espírito.




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 23/10/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 23/10/2005