Verdade seja dita: ninguém até hoje acusou Serennus Samodecus, o famoso clínico-geral dos tempos de Roma Imperial, de ter inventado a palavra-fórmula “abracadabra”. Os hermeneutas da história são unânimes em concordar, genericamente, que ao tempo dele, vinda das Arábias, a palavra já chegara aos campos etruscos onde Roma se edificara, “Roma condita est”.
O que ninguém contesta é que Serennus Samodecus, mercê de seus conhecimentos especializados, tornou-se médico do imperador Tibério, um cara que sofria de males variados, inclusive de hipocondria e complicadas insânias – já de si complicadas. Pois Serennus adotou uma prática que se tornou eficaz: chamado para atender seu imperial cliente, ele escrevia a palavra “abracadabra” num pedaço de papiro e mandava Tibério engolir a receita com três goles de leite de cabra.
O mais espantoso nisso tudo não era o remédio nem o processo terapêutico, mas o resultado: Tibério ficava bom e se trancava no quarto para resolver os problemas do estado e matar moscas. Muitos generais, cônsules, pretores e escravos foram mortos porque tiveram a audácia de interromper Tibério nesses momentos. A mania de Tibério de matar moscas só era interrompida quando ele pegava uns garotos e ia com eles para a piscina onde se divertia olhando o mar azul e o rochedos de Capri.
Tito Lívio, Suetônio, os dois Plínios e outros historiadores não compreenderam nem a ciência de Serennus Samodecus, nem o patriótico efeito de sua medicina: picharam Tibério de alto a baixo, tachando-o de misantropo, demente e devasso, principalmente por causa das moscas e dos garotos.
O fato é que Tibério foi o imperador que mais longe estendeu as fronteiras de Roma. Para ele, a fórmula deu certo.
Folha de S. Paulo (RJ), 29/11/2009