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Senha da Conspiração

 

Depois de muitas confusões, consultas ao judiciário, editoriais da imprensa, reclamações, choro e ranger de dentes, as eleições foram realizadas e, aos poucos, ficamos conhecendo os derrotados e eleitos, embora provisoriamente. É quase certo que teremos algumas complicações na Justiça Eleitoral, provocadas pelas incertezas de última hora, a validade do Ficha Limpa, os incidentes de praxe. Haverá sempre o cabo de polícia que, visivelmente embriagado, deu tiros para o ar numa seção do Piauí. E o mesário que, involuntariamente ou não, travou o equipamento eletrônico numa seção de Tocantins.


Embora não tenha votado (repito que sou eleitor emérito, aposentado por prazo de validade extinta) acompanhei com interesse as listas de apuração e muito me admirei de um cidadão que obteve a expressiva votação de 11 votos. E explico a minha estranheza: nada a admirar quando o candidato obtém 20, 30, 200 votos, ou outra cifra qualquer para mais ou para menos -como diziam os locutores quando anunciavam as pesquisas pré-eleitorais.


Tampouco não se deve estranhar o baixo clero dos afortunados, que ficam entre os 2.000 ou 3.000 votos. Nem mesmo dos mais deserdados que conseguem chegar a 800 ou mil e poucos votos. É fácil compreender esses resultados, como fácil é entender a razão pela qual determinado cidadão não teve voto algum.


Diante das dificuldades e custos da campanha, o camarada acaba se desinteressando e nem tempo dispõe para avisar da sua desistência o hipotético eleitorado com que contava: daí os parcos votos. Quanto ao zero absoluto, também se compreende. O sujeito se considera tão por fora do chamado pleito eleitoral que nem mesmo vota em si. Ou -examinemos outra hipótese- um erro qualquer na contagem e o cara acaba agraciado com voto zero.


Mas 11 votos dá o que pensar. Significa que o candidato superou a exígua base familiar (mulher, filhos, pai, mãe e agregados). Feitos os cálculos, um candidato que entra apenas com o básico, o seu núcleo familiar mais elementar, terá, no máximo, entre oito e nove votos. Mas onde foi ele arranjar esses 11 votos? Onde?


Fico pensando que seria obrigação da sociedade procurar saber as razões dessa votação. E mais: intimar o superintendente da Polícia Federal a investigar vida, costumes e moral desse candidato. E, com autorização da Justiça, quebrar o sigilo fiscal, bancário e telefônico do sujeito que teve 11 votos.


Ele devia merecer uma capa nas revistas semanais e ser entrevistado no programa do Faustão, merecia ser dissecado por nutridos textos dos cientistas políticos e dos colunistas explicando as razões desses 11 votos, que não são quatro, como os evangelistas, nem 12, como os apóstolos, nem três, como os mosqueteiros, nem legião, como os demônios, nem 11 mil, como as virgens. Um novo 11 de Setembro tendo por alvo as duas torres gêmeas do Congresso Nacional? Tudo é possível.


Devíamos também ouvir o clero, tanto o progressista, adepto da Teologia da Libertação e da opção preferencial pelos pobres, quanto o mais tradicional, que ainda reza a missa em latim.


Tenho a certeza de que nesses 11 votos oculta-se uma pérfida (embora diminuta) facção da sociedade, capaz de desvarios tais e tantos que pode colocar em risco a tranquilidade não apenas da família brasileira como da família do próprio candidato. Convenhamos: parece uma conspiração.


Não ignoro que estamos cheios de problemas, vivemos dias atormentados pelos escândalos do mensalão, pela falência das instituições, pelo tráfico de influência, pelo diabo que, segundo dizia minha mãe, anda solto por aí. O cronista não deveria criar um problema suplementar, pedindo cautela para com 11 cidadãos, conta certa para um time de futebol subversivo.


Mas é atrás desses pequenos mistérios que se escondem os grandes males que afligem o indivíduo e a humanidade. De minha parte, entre as dúvidas, espantos e enigmas que levarei para a eternidade, tenho agora mais um - talvez o mais estúpido de todos, nem por isso o menos inexplicável.


Folha de São Paulo, 8/10/10