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Sem indecisão

 

A votação da noite de terça-feira no Senado demonstrou que não há mais indecisos no plenário, e se os houver, são senadores que podem votar pelo afastamento definitivo da presidente Dilma. Talvez por isso ela tenha adiado mais uma vez a carta que divulgaria, propondo um plebiscito sobre novas eleições gerais.

Há informações de que acatou a sugestão de senadores da sua base para que retire da carta o termo “golpista”, na esperança de que, não ofendendo os senadores, alguns deles ainda mudem de posição a seu favor. É uma medida cautelosa, mas inútil, pois as convicções parecem estar sedimentadas, e além de tudo seu próprio advogado de defesa, ex-ministro José Eduardo Cardozo, não poupa esse adjetivo e outros para definir os que se colocam contra a permanência de Dilma na presidência da República.

 Também os poucos aliados no Senado continuam batendo na mesma tecla, criando uma narrativa de luta democrática que inclui chamar o processo de impeachment de golpe parlamentar. Na verdade, eles estão fazendo pose para a filmagem de um documentário sobre o processo no Congresso, além de usarem a TV Senado como trampolim para uma ação política que baseará suas atuações parlamentares nos próximos anos.

Retirar o termo “golpista” da suposta carta não representa uma reavaliação de atitudes da presidente afastada, mas apenas uma ação retardada que não terá maiores consequências na votação final, assim como a própria proposta de convocar um plebiscito, já rejeitada até mesmo pelo presidente do PT Rui Falcão.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que vai tentar a reeleição, já começa a refluir da radicalização política e admitiu ontem que usar “golpe” para caracterizar o que está acontecendo no Congresso lhe parece “um pouco forte”. Mas, à medida que o processo do impeachment prossegue, o PT tenta levar para o plano internacional um protesto, produzindo fatos exóticos como a tentativa de ler uma declaração do candidato democrata derrotado Bernie Sanders sobre a possibilidade de estar ocorrendo um golpe por aqui.

Evidentemente, o PT e Lula ainda mantêm em setores da esquerda internacional algum prestígio, e se aproveitam disso para tentar uma ação que, embora inócua em termos práticos, pode render frutos políticos nesse nicho eleitoral. Mas não conseguem fugir de suas próprias incoerências.

 Assim como o ex-presidente Lula contratou um advogado em Genebra para atuar em seu nome na Comissão de Direitos Humanos da ONU alegando que está sendo alvo de perseguição da Justiça brasileira, também a presidente Dilma apela para organismos internacionais.

Vários deputados e senadores petistas entraram com uma ação na Comissão de Direitos Humanos da OEA alegando que os direitos de Dilma e seus apoiadores estão sendo desrespeitados pelo processo de impeachment, que seria ilegal. Pedem uma liminar reconduzindo a presidente Dilma à presidência da República.

Mas em 2011, essa mesma Comissão da OEA pediu a interrupção das obras da usina de Belo Monte, alegando irregularidade no licenciamento ambiental, atendendo a uma ação de ONGs ambientalistas. O governo da presidente Dilma considerou uma “interferência indevida”, convocou ao Brasil o representante do país junto à OEA, o que na diplomacia é uma das atitudes de reprovação mais agudas,  e, para retaliar, suspendeu repasses de dinheiro à entidade.

 Como se vê, trata-se de mais um capítulo de uma ridícula novela política latino-americana, na qual o grupo político que está sendo acusado na Justiça por um mega esquema de corrupção, e por ter ilegalmente manipulado o orçamento do país para manter-se no poder, tenta apresentar-se ao mundo como vítima de perseguição política.

Dilma não tem mais nada a almejar nesse processo, a não ser montar uma narrativa heroica que pode render um livro de ficção. Já o ex-presidente Lula espera pressionar politicamente os investigadores da Polícia Federal e os procuradores do Ministério Público para se livrar das acusações e dos processos. Em último caso, pode alegar perseguição política e pedir asilo ou refúgio no exterior.

O Globo, 11/08/2016