A gravidade da situação da segurança pública no país está levando a que volte a ser discutida a necessidade de uma coordenação nacional do combate ao crime organizado. Se não for possível politicamente recriar um ministério, ou secretaria extraordinária, o avanço seria a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que não saiu do papel desde 2018. Ele foi criado no governo Michel Temer, quando Raul Jungmann era ministro extraordinário.
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, colocou novamente o tema em debate ontem, quando ressaltou que o modelo de segurança previsto pela Constituição se alterou diante das novas dinâmicas do crime, e não é mais possível manter a compartimentalização de atribuições entre os diferentes níveis da Federação. Pela Constituição, a segurança pública é tarefa dos governos estaduais.
Quando ministro da Justiça, Flávio Dino começou a colocar em prática a coordenação nacional, fazendo com que Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e polícias locais trabalhassem em conjunto. Agora, Lewandowski se dispõe a aprofundar essa coordenação.
O caminho seria colocar o Susp na Constituição, a exemplo do que foi feito na Constituinte com o Sistema Único de Saúde (SUS), e dar a ele um fundo próprio e mais poderes para a União fazer um planejamento nacional de caráter compulsório para os demais órgãos, com o objetivo de fixar diretrizes fundamentais de validade para todo o país. Os recursos seriam destinados a aparelhar as polícias e fortalecer os sistemas de inteligência.
No governo de Temer, no contexto da intervenção federal no Rio de Janeiro, ele foi aprovado e sancionado, mas nunca entrou realmente em vigor. A Lei do Susp serviria como “ponte” para que o governo federal pudesse coordenar as ações nacionais de segurança pública, sem que os estados perdessem autonomia. É preciso fazer uma limpeza nas polícias, não apenas no Rio, mas na maioria dos estados, obedecendo a regras de caráter nacional.
Ações bem-sucedidas em diversos locais, como agora acontece no Pará, que tem implantado uma política baseada no que já aconteceu no Rio na época das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), poderiam ser disseminadas nacionalmente. A criação das UPPs foi uma política pública no governo Sérgio Cabral que, de sucesso, transformou-se em fracasso devido a seu uso político pelo governo do estado. Como vimos agora, a imbricação do crime organizado com autoridades políticas locais é um impedimento para que o êxito seja permanente e eficaz.
Uma ação desse tipo foi feita há anos com sucesso no Espírito Santo, na primeira administração de Paulo Hartung, em 2003. O crime organizado dominava o estado em seus três Poderes. Houve um trabalho rigoroso de combate à criminalidade, e até hoje o espírito da segurança pública mantém-se, seja qual grupo político dirija o estado. Tudo se resume a uma decisão política das lideranças locais, e também da Presidência da República, de não permitir que milicianos e traficantes lutem por um território que não é deles, mas da população brasileira, que não pode viver refém de bandidos.
Por isso é bom sinal, à espera de uma consequência prática, o ministro da Justiça Lewandowski ter resgatado a tese, defendida já neste governo pelo próprio presidente Lula, de que a responsabilidade pela segurança pública não pode ser apenas dos governos estaduais. A volta do debate em torno do fortalecimento do papel do Executivo na segurança pública, por meio do Susp, ao mesmo tempo que dá poderes ao governo central de coordenar as políticas nacionais, evita que tema tão delicado seja ligado diretamente ao presidente da República.
Até o momento, porém, não há forças ou coalizões políticas com disposição de enfrentar o atual estado de coisas. A grande dificuldade, além da política, é a situação econômica. Enquanto os ministérios da Fazenda e do Planejamento almejam desvincular os gastos com saúde e educação, Lewandowski busca verbas.