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Salto sem rede

 

Irritado com os meus comentários sobre a linguagem infantojuvenil que ainda predomina na mídia eletrônica, um sujeito me desancou num e-mail em que me aconselha a jogar dominó e buraco, deixando o universo virtual para o povo eleito no qual ele se inclui.

Não tenho nada contra o dominó e o buraco, mas não sou vidrado nesses tipos de passatempo. Tampouco me emociono com o jogo de paciência que vejo muito cara fazendo nas salas de espera dos aeroportos, abrindo seus notebooks para que todos o admirem na função.

Continuo achando que a informática vive sua pré-história, uma era jurássica sem articulação e, muitas vezes, sem qualquer outro sentido.

De qualquer forma, ela é irreversível e fatalmente encontrará sua linguagem, não será um mero serviço, mas um fator de enriquecimento humano e espiritual. Será útil para encomendar pizzas (que nos chegarão lerdas e frias), mas sua transcendência superará a atual contingência.

Outro dia, uma moça perguntou, por e-mail, se eu já tinha namorada virtual. Deixou no ar uma insinuação, quase se oferecendo, e eu quase aceitei. O universo virtual é mais concreto do que se supõe. Ele existe ao redor de nós, como um monstro ou um anjo, dependendo do lado pelo qual o abordamos.

O homem moderno foi condenado a ser manipulado pelo excesso de comunicação, a oferta maior do que a procura. O mundo virtual é um salto sem rede no espaço. Uma bobeira pode terminar em tragédia.

Na semana passada, um homem de 23 anos invadiu um colégio em Realengo, aqui no Rio, matou mais de dez estudantes e feriu outros tantos. Era um introvertido, um psicopata que passava a maior parte de seu tempo tripulando uma nave absurda no espaço virtual. Um espaço de fantasia que não o fez mais feliz nem mais homem.

Folha de São Paulo, 10/4/2011