A partir de um registro quase inacreditável, o Governo do Rio de Janeiro tem criado diversas salas populares de cinema. Em seu discurso de inauguração, Rosinha Garotinho repete invariavelmente o dado aterrador: dos 92 municípios do Rio de Janeiro, somente 23 têm um cinema regular. Esse dado está sendo modificado pelas ações da Secretaria de Estado de Cultura, que já criou diversas salas populares, utilizando a modernidade do DVD, em municípios como Belford Roxo, Meriti, Japeri, Carapebus, Mesquita, além de outros dois em Mangueira e Jacarezinho.
Há 62 filmes brasileiros em sistema de rodízio, com o preço do ingresso a R$ 1, incluindo sessões diárias e matinês, com películas com a qualidade de Villa-Lobos, Os Anos JK, Chico Buarque e as Cidades, O Noviço Rebelde (Trapalhões), Metido a Bacana, Jubiabá, O Auto da Compadecida, Central do Brasil, etc.
Além do sucesso da iniciativa, que se mede pela presença do público nesses cinemas de 100 lugares, aproveitou-se a oportunidade para homenagear cineastas brasileiros, em geral figuras sofridas da nossa cultura, pelos imensos sacrifícios para completar cada um dos seus filmes. Vale a pena referir aos primeiros homenageados com os seus nomes associados às salas populares: Zelito Viana, Sílvio Tendler, Ankito, Anselmo Duarte, Luís Carlos Barreto e Nelson Pereira dos Santos, este último com uma consagração popular quando voltou à favela do Jacarezinho, onde esteve em 1954 para o início da produção do seu consagrado "Rio, 40 Graus". A exceção ficou por conta do nome dado ao cinema da Mangueira (Carlos Cachaça), escolhido pela comunidade para homenagear o seu primeiro presidente de honra.
Vale registrar que faltam ser inaugurados os cinemas de Mendes (Creso Pereira), Duas Barras (Cacá Diegues), Engenheiro Paulo de Frontin, Santo Antônio de Pádua e Mangaratiba (Mário Peixoto). Ao lado dessa experiência, a Secretaria de Estado de Cultura, com o apoio da Fundação Telemar, realiza outra, Circuito Rio de Cinema, levando bons filmes a praças públicas aos domingos. Depois da exibição, debate com o público, como ocorreu com 800 pessoas em Mangaratiba.
Fixemo-nos na última inauguração. Nelson Pereira dos Santos, enfrentando o grande calor do Rio, revelou por que se tornou o verdadeiro renovador do cinema nacional. Seus filmes focalizaram especialmente as comunidades pobres da Zona Norte. Em "Rio, Zona Norte", revelou o cotidiano de um sambista que, para sobreviver, descia o morro e convivia com as agruras do asfalto. Sua inspiração foi o saudoso Zé Kéti, autor de "Máscara Negra".
Ao lado de outras feras, como Glauber Rocha, Arnaldo Jabor, Júlio Bressane, Luís Carlos Barreto e Cacá Diegues, Nelson ajudou a criar o Cinema Novo, movimento que legou ao País uma série de grandes filmes, como Vidas Secas, Boca de Ouro, Um Asilo Muito Louco, este baseado num conto de Machado de Assis (O Alienista). Vale a pena apoiar de novo o cinema nacional.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 04/10/2004