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Salamanca e o Brasil

 

Por iniciativa do seu Centro de Estudos Brasileiros, a Universidade de Salamanca, uma das mais tradicionais do mundo (data de 1218), ouviu com muita atenção as palestras de dois acadêmicos brasileiros sobre a vida e a obra do poeta Manuel Bandeira. O primeiro a falar na instituição espanhola foi Marcos Vinicius Vilaça, que fez um inteligente apanhado sobre alguns dos melhores poemas de Bandeira. Pasárgada foi referência muito apreciada.

Depois, foi a nossa vez. Demonstramos o pioneirismo do poeta pernambucano em relação ao modernismo na literatura brasileira, para terminar com o seu inspirado “Louvado para Rachel de Queiroz”, sempre uma homenagem tocante à figura inesquecível da primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras, o que aconteceu em 1977. Tudo isso faz parte de um convênio entre a ABL e a Usal.

Alguns membros da Academia Brasileira de Letras, graças ao convênio existente, anualmente comparecem à Universidade de Salamanca para fazer apreciadas palestras. São valorizadas pela exigência de debate, o que torna os assuntos ainda mais atraentes. Em anos anteriores, estiveram na cidade espanhola os imortais Antonio Carlos Secchin, Cícero Sandroni e Domício Proença Filho, com os quais foi possível também discutir os rumos do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa.

Levados pelo diretor Manuel Portillo Rubio, de uma gentileza sem limites, conhecemos algumas das preciosidades da Usal. Passamos pela sala em que lecionou Unamuno, o prédio onde ele exerceu a reitoria, depois o salão solene em que receberam os títulos de doutor honoris causa os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. É claro que não poderíamos deixar de conhecer a sua biblioteca, de mais de 300 mil volumes, além da seção da Biblioteca Nacional em que se encontra, como raridade, uma Torá (doutrina judaica) do século XVI. Não se sabe objetivamente como foi parar ali, no cofre em que entramos com todos os cuidados. Os judeus foram expulsos da Espanha pelos reis católicos Isabel e Fernando no século XV – e boa parte deles emigrou para Portugal. Mas alguns ficaram no interior da Espanha, naturalmente escondidos, e produziram aquele precioso documento por intermédio de escribas altamente especializados. A Torá tem 305 mil palavras, todas desenhadas à mão, compondo um valioso documento. O curioso é que não foi parar em nenhuma sinagoga, mas sim nos domínios da Biblioteca Nacional, onde zelam pela sua integridade. Não se pode tocar nas suas páginas, nem fotografar de perto.

A Universidade de Salamanca tem hoje cerca de 40 mil alunos (500 são brasileiros) e o principal dos seus afamados cursos é o de Direito. Pela excelência dos seus cursos, é uma referência essencial para outras Universidades do mundo hispânico. Elas seguem os seus passos. A Usal sempre marcou presença, nas três fases da sua existência: medieval, moderna e contemporânea. Salamanca nasceu depois de outras Universidades destacadas, como as de Bolonha, Paris, Montpellier e Oxford, seguindo mais de perto a orientação da primeira delas, de ênfase jurídica. De início, proibiu o alunado feminino, como era comum naquela época. Hoje, é uma instituição consagrada e aberta a todos.

Jornal do Commercio (RJ), 21/11/2014