Pelo jeito, vão acabar dando um jeitinho. Brasileiramente.
Nestes estranhos dias que vivemos, parece que há duas sensações aparentemente incompatíveis. Não deviam se mesclar. Mas estão em toda parte, ora opostas, ora lado a lado, ora em alternância: um certo alívio e uma certa desesperança. No lado do alívio, suspira-se um “ufa!”. Na banda da desesperança, geme-se um “ai!”
É como se o país oscilasse entre duas velhas piadas. Uma é a do sujeito que cai do octogésimo andar e, ao passar pelo vigésimo, suspira: “Até aqui tudo bem”. Outra é a dos amigos que caíram na vala de esgoto, com dejetos até o pescoço e se recomendam: “Não faz marola”.
Ufa! O pior não aconteceu, o Renan desarmou a bomba do Cunha, este foi denunciado pelo MP, o governo recuperou algum controle da situação. Parece que não estamos mais à deriva. A Agenda Brasil vem aí e vai mudar o cardápio de assuntos discutidos, sem o risco de trazer maiores novidades.
Ufa! A Moody’s rebaixou a nota do Brasil, é verdade. Mas, felizmente, não ao ponto de o país perder o grau de investimento. Nada que chegue a atrapalhar no momento — e isso é o que importa.
Ufa! Houve manifestações pelas ruas de mais de 200 cidades, em todos os estados, trouxeram até um balão inflável do Lula vestido de presidiário, mas dá para suspirar com alguma leveza, porque os números de manifestantes foram menores do que os de março.
Ufa! O governo não está mais tão sozinho e acuado. As ruas se encheram também de manifestantes de camisa vermelha. Os setores produtivos e a grande mídia dão mostras de juízo e de preocupação com a governabilidade. As novas denúncias não trouxeram surpresas.
Por outro lado, há os que se lamentam. Ai de nós! O país está desgovernado, a economia vai de mal a pior, as descobertas de roubalheira são espantosas, cada nova fase da Lava-Jato traz mais uma penca de revelações assustadoras.
A turma do alívio suspira: o pior já foi contornado. Desta vez, vai. Não chegamos ao fundo do poço. Quem sabe se lá não existe uma cama elástica? Não um alçapão, como alguns temem. Vamos dar um jeitinho.
Tudo se encaminha para uma bela saída à brasileira. Multiplicam-se os encontros de políticos a portas fechadas, em busca de um pacto de governabilidade que evite rupturas. É uma boa causa: não prejudicar o ajuste. Faz-se um acordão, capricha-se na maquiagem e, como sempre, elogia-se o conchavão e se vende ao eleitorado a sensação de que tudo melhora. Brasileiro, profissão esperança.
Os governantes se apresentam como algo entre heróis e santos. Vergam mas não se envergonham. Epa, perdão, citação errada! A frase foi outra: vergam mas não quebram.
Quem pode quebrar é o país. Mas aí é um detalhe, apenas uma questão matemática, e não política, como parecem crer os que recusam números, prazos, orçamentos, responsabilidade fiscal. Ainda outro dia, um deputado da base governista, defendendo seu voto a favor da gastança, argumentava que não dá para ser diferente, porque “o ajuste não está surtindo efeito” e não melhorou a situação. Como se o ajuste fiscal já tivesse sido aprovado e tivesse tido tempo de fazer efeito... Em que país vive esse parlamentar alagoano? A resposta é clara: vive no país que o elegeu. Como elegeu todo esse Congresso e essa governanta e lhes deu incontestável legitimidade para aprontarem o que quiserem, já que representam os eleitores. Com a indispensável ajuda marqueteira.
A crise que vivemos é, em parte, a da democracia representativa. Mas sabemos todos que não há regime melhor, por mais que este tenha problemas e possa ser aprimorado. Fora dela não há salvação. Sua qualidade vai melhorar aos poucos, com a experiência e a educação. Vamos em frente, sempre aprendendo.
Foi dessa democracia que surgiu a Constituição de 1988, que deu poderes ao Ministério Público, possibilitou o julgamento do mensalão e agora fortalece um juiz como Sérgio Moro e os procuradores de sua equipe. É dessa democracia que emanam a liberdade de imprensa e o sistema de pesos e contrapesos que estabelecem os limites de cada poder. Esse conjunto é que nos garante. Por mais que nos perguntemos se o TCU vai amarelar ou se alguém vai dar ouvidos aos espiroquetas alucinados que pululam aqui e ali. Um que em passeata defende a volta do Sarney, outro que pede intervenção militar. O que ameaça com os exércitos do Stédile, outro que fala em pegar em armas — no Planalto, diante da presidente.
Mas é na força dessa democracia que devemos confiar. Não desistir do Brasil, como exortou Eduardo Campos. Mesmo com essa saída à brasileira, lembrando o personagem cômico, que dava “passinho pra frente, passinho pra trás”.
Só convém não exagerar. Depende muito do que pretendam varrer para baixo do tapete. Com ou sem trauma, o que queremos é o fim da impunidade. Quem se sente representado por Moro concorda com Aldous Huxley: os fatos não deixam de existir só por serem ignorados. E são soberanos.