Realizou-se, de 8 a 10 de janeiro, em Kuala Lumpur, na Malásia, a XXVII Conferência de Academia da Latinidade, voltada para o novo quadro da globalização mundial, e das suas características não hegemônicas, a partir de fenômenos como a emergência dos BRICS, as novas alianças euroasiáticas e a virada de página de toda visão de centro e periferia. O que se quis, sobretudo, foi analisar o impacto dessa nova configuração sobre as identidades coletivas emergentes, o clamor pela diferença e a possível coexistência num mundo tão diverso ainda do que surgia no começo deste século. Como poderá essa nova luta identitária escapar do fundamentalismo? E até onde todo perfil regional clássico de alinhamento de nações é superado pelas novas condições de efetiva coexistência nesta pós-modernidade?
A interrogação vai às novas formas possíveis de reconhecimento recíproco, fora do vis-à-vis do universalismo. E, sobretudo, há que saber como essas subjetividades emergentes, no seu pensamento, reclamam um entendimento crítico do que seja o mimetismo acadêmico, no delineio desses novos protagonismos históricos. Da mesma forma, e num contraponto, essas identidades vão ao seu enraizamento, por sua vez, despido das várias dominações do imperialismo cultural, como o que marcou os últimos séculos da vigência do Ocidente.
A Conferência de Kuala Lumpur procura, e no melhor sentido o que seja uma fundação do pensamento, a análise prospectiva dessa nova coexistência não dominadora de uma civilização pós-moderna. É o que reclama, por exemplo, a presente dinâmica identitária chinesa. E só se está, aí, dando a partida, como quer analisar a Conferência d Kuala Lumpur, ao que possa ser, mais do que o velho pluralismo, uma efetiva interculturalidade mundial. Implicará todo um trabalho epistemológico de remover os reducionismos, nesse reconhecimento recíproco, tais como o de padronizar o mundo asiático sob as categorias do orientalismo ou entender que a oposição das culturas não ocidentais a esse mundo reclama uma visão radical alternativa de seu vis-à_vis. Isso para superar as velhas polarizações, como a de civilização-barbárie, a, fatalmente, condenar a um etnocentrismo essas visões de mundo. Mais ainda, e a se querer identificar os protagonismos coletivos dessa nossa década, aí estão os novos desempenhos, à margem do monopólio, pela representação da identidade nacional. O último biênio é o dessa emergência direta da multidão em novo espaço público e numa reivindicação distinta das velhas e clássicas irrupções das massas do nosso tempo.
O que se depara hoje, por outro lado, é a preocupação, nas subjetividades coletivas à nossa frente, com o avanço do multiculturalismo no velho Estado-nação. E o mundo asiático, especialmente a partir da Malásia, nos traz a prática política inovadora da moderação, a eliminar todo o reducionismo identitário e o espectro nacional por essa “coexistência na diferença”. A criatividade do regime da Malásia é o dessa dimensão paralela à democrática, superando a vontade de maiorias, para a defesa da pedagogia de reconhecimento. O que importa é o respeito de uma absoluta simetria de todas as componentes históricas nesta pós-modernidade, para além de todo o universalismo redutor nesse desempenho emergente. A tarefa se torna crítica quando, no mundo dos terrorismos e das radicalizações identitárias, vemo-nos, cada vez mais, ameaçados pela “guerra de religiões” e pela rejeição do laicismo e da liberdade, ganho na luta da história do nosso tempo.