Desde Homero que o mar é cantado em prosa e verso. Dorival Caymmi, sem experiência própria no assunto, garantiu que é doce morrer no mar. Pulando de Homero e Caymmi para o tsunami que devastou terras e ilhas, matou sem doçura gente pobre e gente rica, lembremos a mais famosa crônica de Rubem Braga, "Ai de ti, Copacabana".
Parodiando o estilo dos profetas bíblicos, o velho Braga viu robalos, garoupas, arraias e polvos navegando nos átrios sagrados do Oscar Ornstein, que era o gerente do principal hotel da cidade. À sua maneira, o cronista anteviu um tsunami devastando a cidade, começando pela praia mais famosa do Rio.
O Braga acabou se revelando um quase-profeta. Pouco depois de publicada a sua crônica, na "Manchete", uma ressaca fez crescer o oceano e por pouco, muito pouco mesmo, robalos e arraias não invadiram o Golden Room do Copa.
Morava eu na rua Anita Garibaldi, num prédio que tinha garagem subterrânea. O porteiro me chamou, mostrou o meu Simca-Chambord coberto de areia, a água do mar molhando os tapetes de borracha do carro. Estava longe da praia, a uns 300 metros do mar.
Não houve vítimas, apenas prejuízos, sobretudo nos prédios da orla. Ninguém falou em tsunami, mas em ressaca, nome prosaico. Mesmo assim, um vizinho decidiu se mandar e mudou-se para Teresópolis, a uns 800 metros acima do mar.
De minha parte, fui morar na Lagoa, protegido pelo morro dos Cabritos, nada a temer de um maremoto até 9 pontos na escala Richter. Acima disso, somente santo Antônio me salvará. Lembrei Homero, Caymmi e o Braga. Para terminar, lembrarei um poema de Augusto Frederico Schmidt que sempre me impressionou. Ele chama o mar de "espelho do espírito de Deus, rude e terrível". Rude e terrível. É isso aí.
Folha de São Paulo (São Paulo) 09/01/2005