O romance de Fernando Sabino, "O encontro marcado", posto nas livrarias nos anos 50 do século passado, escrito em estilo ao mesmo tempo nervoso e firme, contou a história de uma geração. Nele, o autor pôs a nu o caminho percorrido pelos jovens que, de 1935 a 1950, haviam começado a ser gente, a constituir família, a escrever, discutir, fazer perguntas e a desperdiçar palavras, tempo e amor. Por ter sido um livro sofrido, um romance feito de angústia, foi que Fernando Sabino atingiu, nele, o clima de emoção que pertence normalmente à poesia.
Naquele período, de 35 a 50, uma geração passara por várias fases de desespero. Os rapazes que, em Belo Horizonte, carregavam um esqueleto pelas ruas noturnas da cidade, arriscavam a vida em viadutos, citavam frases de poetas a cada instante, estavam todos vivendo uma fase de busca, natural em qualquer época do mundo, mas retesado, naquele instante, por uma instabilidade que vinha dos tempos da guerra total e da falta de sentido que a vida passara a ter para os que apenas começavam a conhecê-la.
Conseguiu Fernando Sabino retratar, de modo angustiadamente nítido, os passos dessa geração. Todos os que a ela pertencemos somos capazes de reconhecer, em seu livro, os traços de uma verdade dura, mas necessária. A procura de uma religião, de uma luta política radical, ou o abandono primário de qualquer preocupação ou compromisso foram saídas que, à beira do abismo, pareceram, a muitos, o único meio de salvação. Outros continuaram em clima de leviana irresponsabilidade e seu fim só poderia ter sido a conquista amarga de um ambiente espiritual de irrecuperável esterilidade.
A técnica de narrativa de Fernando Sabino era, já então, dotada de firme estrutura. Os altos no tempo surgiam, ali, de modo tão natural - como na frase "de repente passaram-se seis meses" - que o leitor poderia acompanhá-los em espírito de integração, como se estivesse, ele mesmo, passando por aquela série de sofrimentos.
Sabe-se agora, a partir deste junho de 2004, que Fernando Sabino escrevera outro romance antes de "O encontro marcado". É este "Os movimentos simulados". A geração é a mesma do livro posterior, só que ainda vivendo em Belo Horizonte: Os personagens são os antecessores de Eduardo Marciano, que teve papel importante no "Encontro". Representam, em geral, a brava classe-média mineira antes do aparecimento da pílula.
O clima geral da narrativa é a busca do sexo, o mistério do amor, o pavor à velhice, o encontro de si mesmo que antecipava muitas das páginas do romance posterior. Escrito em 1946, com o autor em plena busca de seus 22 anos, morando em Nova York, as imagens de Minas sobrepondo-se a qualquer realidade norte-americana, mostra os encontros e desencontros da população que habita a narrativa.
O livro é como um tempo recuperado. É o da II Guerra Mundial, de 39 a 45, e também o pós-guerra, ainda não de todo absorvido, mas já impondo uma perspectiva diferente a cada personagem. Homens e mulheres, jovens e não tanto, amam-se, odeiam-se, como aconteceria também depois da pílula, mas sem as facilidades, hoje existentes, de os mais jovens poderem começar suas experiências de sexo bem mais cedo.
Dentre os grupos de machos e fêmeas, de várias idades, que percorrem a narrativa e entram em movimentos, simulados ou não, destaco o de Marcos, Geni e Silvana - ele, marido: Geni, a mulher; e Silvana, filha de Geni, mas não de Marcos.
A enteada começa a tomar formas, a ser mulher, e Marcos se apaixona por ela, que corresponde, enquanto a mulher, Geni, se vê cada vez mais velha, sem encantos para prender o marido - ele com 36 anos e a jovem Silvana com 17. Contudo, dia após dia, as situações mudam e Marcos entrará em contato com outras moças, mas surgiam perguntas nos encontros, um jovem perguntando a outro: "Ela ainda é virgem?", quem quer que fosse o ela em questão. E Marcos, no fim, achou Regina e os dois "foram imperdoavelmente felizes."
Pode-se dizer que "Os movimentos simulados" completa "O encontro marcado". Embora um seja anterior ao outro, os dois "tempos" do escorrer dramático se juntam, e nessa conjunção o que Fernando Sabino faz é compor um retrato de uma sociedade, a nossa, num momento de mudança, nos últimos anos de uma ainda ingenuidade geral perante a vida, num Brasil que vivia entre o extremo de um ufanismo inocente e um pessimismo que diminuía o valor de conquistas que pudéssemos ter. O que Fernando Sabino faz, neste romance de 1946, é traçar um retrato de como somos e de como queremos ser.
"Os movimentos simulados", de Fernando Sabino, é um lançamento da Editora Record. Capa de Dounê Spinola sobre concepção do autor do romance, com uma frase do mesmo: "Naquele tempo o amor corria solto, em meio a toda espécie de movimentos simulados."
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) 15/06/2004