As crises permanentes de desmatamento e a perda da soberania nacional para quadrilheiros está a exigir do futuro governo uma ação coordenada que não se vê em discussão na campanha eleitoral
Chama a atenção como os temas relacionados à Amazônia aparecem relativamente pouco nos debates dos candidatos à Presidência da República, pelo menos não com o protagonismo que merecem diante da crise permanente de desmatamento, das queimadas que se repetem em crescimento, da perda de controle da soberania nacional de partes da região para as mais diversas formas de crime organizado: do comércio ilegal de madeira ao garimpo em terras indígenas; da disputa do território entre quadrilhas internacionais na fronteira até todo tipo de contrabando.
O controle do desmatamento e das queimadas é o que de mais perto interessa à opinião pública global, e o que mais afasta o Brasil dos financiamentos internacionais para uma economia verde sustentável. Mas a perda da soberania nacional para quadrilheiros é o ponto mais vulnerável de nossa segurança interna. É pelas fronteiras que entram drogas e armamentos pesados que financiam o crime organizado que, em diversas facções, atuam em todo o país.
Essa visão holística da questão amazônica está a exigir do futuro governo uma ação coordenada que não se vê em discussão na campanha eleitoral. O recente lançamento do Centro Soberania e Clima, que reuniu nomes como Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa), o general Sérgio Etchegoyen (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Marcelo Furtado (ex-diretor do Greenpeace Brasil), é um exemplo do que pode vir a ser feito. O objetivo do novo think tank é exatamente promover diálogo, conexões e convergências entre atores da Defesa e do Meio Ambiente no Brasil e no mundo.
Uma grande campanha, intitulada “Amazônia Mãe do Brasil”, está sendo lançada, com o objetivo de dar centralidade ao tema na campanha eleitoral e transformar o Dia da Amazônia, que se comemora amanhã, numa data nacional relevante. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2022 aponta violência letal muito maior na Amazônia do que na média do Brasil, que já tem uma média em si mesma altíssima. A soberania do Estado brasileiro na Amazônia nunca esteve tão ameaçada como hoje.
Não por invasão de exércitos imaginários, mas pelo avanço de todo tipo de crime e ilegalidade estimulados por um governo que deliberadamente atrofia seus órgãos de fiscalização e punição. O Dia da Amazônia encontra uma região traumatizada pela violência, e envergonhada diante da repercussão mundial das mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira.
O anuário de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ressalta que a Amazônia tem 30 das 100 cidades brasileiras com taxas de mortes violentas intencionais superiores a 100 por 100 mil habitantes. A violência letal ali é 38% superior à das demais regiões do país. Nos municípios urbanos com mais de 50 mil habitantes e/ou predominância de áreas densamente populosas, a violência letal na Amazônia é 47,9% superior à média nacional desse tipo de município.
“A Amazônia como um todo parece dominada pela lógica dos grupos armados criminosos e, mesmo com as estruturas policiais e militares existentes, que são capazes de atuar quando adequadamente mobilizadas, quem parece organizar a vida da população é o crime organizado, que vai corrompendo e ocupando a economia, a política e o cotidiano da região”, descrevem o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, e a diretora-executiva, Samira Bueno.
Eles denunciam que os grupos criminosos atuam como “síndicos da Amazônia, administrando a vida das pessoas, da economia e dos territórios por eles controlados”. Em entrevista ao Jornal Nacional, Bolsonaro apostou no discurso de que é preciso relativizar as pressões dos defensores da floresta para gerar empregos. No entanto, nenhum projeto de desenvolvimento tem qualquer chance de parar em pé na Amazônia sem que essa avalanche criminosa seja contida.
A boa notícia é que a emergência já começa a aproximar pessoas e instituições sérias em diálogos novos e promissores. A atuação escancarada de grupos ilegais é incompatível com o Estado de Direito e, portanto, com o desenvolvimento que enganosamente o governo diz desejar para a população que vive naquela região do país. Retomar a Amazônia das mãos armadas de traficantes, grileiros violentos, garimpeiros ilegais e traficantes de madeira é condição básica para se alcançar o desenvolvimento sustentável da região amazônica.