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Reta final

 

Os Procuradores de Curitiba estão analisando, há quinze dias, os depoimentos por escrito de 35 executivos da empreiteira Odebrecht, inclusive o do presidente Marcelo Odebrecht, e os liberarão para homologação parceladamente. Eles estão analisando cerca de mil páginas datilografadas, e toda sexta-feira chamam alguns dos delatores para confirmar informações e tirar dúvidas.

Nesta sexta passada o juiz Sergio Moro homologou os acordos de delação premiada dos empresários Vinícius Veiga Borin, Luiz Augusto França e Marco Pereira de Sousa Bilinski, sócios em uma empresa de consultoria que, segundo as investigações da Operação Lava Jato, era usada para movimentar contas de offshores da Odebracht no exterior.

Eles calculam que até o final do mês todas as delações estarão checadas e aprovadas. O conjunto das delações implicará tanto o ex-presidente Lula quanto a presidente afastada Dilma Rousseff, mas pegará também líderes da oposição como o senador Aécio Neves e dezenas de deputados e senadores. 

O difícil será separar o que foi realmente caixa 2 eleitoral do que é financiamento com dinheiro da corrupção nas estatais,  tanto as doações ditas legais quanto as ilegais. 

A tentativa de Marcelo Odebrecht é aliviar o presidente Lula, embora seja improvável que os Procuradores aceitem a versão de que a empreiteira nunca deu dinheiro para o ex-presidente.

Eles admitem que fizeram favores – como as obras no sítio de Atibaia – e que em troca receberam favores de Lula nos países em que têm obras. Negam que o pagamento de palestras do ex-presidente fosse parte desse acordo, mas estão entregando às autoridades brasileiras documentos relativos a obras no exterior que Lula ajudou a conseguir, embora classifiquem essa atividade de um lobby natural para um ex-presidente.

A parte mais sensível é a de Angola, onde o ex-presidente Lula ia com frequência. A visão sobre a presidente afastada Dilma Rousseff, no entanto, é menos benevolente. Segundo um assessor da empreiteira, “a promiscuidade de contas era tão grande que tudo o que o governo Dilma e seus assessores pediam era pago”, mesmo despesas pessoais.

Os relatos em princípio ficarão restritos à gestão de Marcelo Odebrecht, a partir de 2008, quando o setor de operações estruturadas, que lidava em uma contabilidade separada com o esquema de propinas pelo mundo, começou a ser expandido.

Ele existia desde a gestão do fundador Norberto, com a finalidade de lidar com os pagamentos em dólar das obras no exterior, mas Marcelo ampliou sua atuação para controlar pessoalmente as propinas. Essa ampliação é hoje objeto de muitas críticas dentro da empreiteira, e indica que Marcelo considerava ser intocável, expondo a empresa em esquemas de corrupção no exterior de maneira irresponsável.

O esquema na Suíça, por exemplo, foi uma ampliação do sistema, assim como o banco em Antígua. Os servidores do sistema informatizado para o controle dr pagamentos de propina ficavam hospedados na Suíça, e foi de lá que saíram as ordens de pagamento para o marqueteiro João Santana pela campanha de 2014.

Essa parte do esquema de corrupção será objeto de um acordo de delação do casal. Monica Moura, mulher de João Santana, que cuidava da contabilidade, recusou-se a comentar o assunto na audiência recente que tiveram com o Juiz Sérgio Moro, admitindo que falaria sobre o assunto dentro de outro processo de delação premiada, a ser negociado.

Essa parte será a prova cabal de que as campanhas presidenciais sempre foram pagas com dinheiro de caixa 2, tendo evoluído o esquema nos últimos anos com o financiamento de dinheiro desviado das grandes obras do governo, e apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como doações legais. E o pagamento de propinas também através do caixa 2, o que não deixa de ser uma novidade também.

A confissão de João Santana de que mentiu à Justiça para não prejudicar a presidente afastada Dilma Rousseff foi devastadora para sua defesa.  Embora nenhum desses fatos seja incluído no processo de impeachment, por um entendimento míope da legislação de que somente os casos ocorridos no mandato atual do presidente podem ser motivo de processo mesmo num sistema de reeleição, a verdade é que todas as evidências apresentadas durante as investigações levam a que a decisão dos senadores seja tomada de acordo com o conjunto das atividades ilegais, reforçando a acusação formal de burla da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Globo, 24/07/2016