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Resoluções de Ano Novo

 

"Prezado amigo ladrão: em primeiro lugar, quero cumprimentar-lhe pela esperteza. Você entrou em minha casa no momento certo. Vivo sozinho e raramente saio, mas aquela era uma noite especial, como você já verá, e assim decidi jantar num restaurante. Lá passei algumas horas: o suficiente para que você arrombasse a porta e fizesse uma limpa geral.


Entrarei no Ano Novo com um prejuízo que não é pequeno. Tudo bem, é a sua profissão, não reclamo. Providenciarei novas roupas, novos eletrodomésticos, um novo cofre para substituir aquele que você carregou e que felizmente estava vazio. Isso não me incomoda, amigo ladrão. O que me aborrece foi você ter levado meu laptop.


Este laptop, como você certamente notará, se se der ao trabalho de ligá-lo, é novo e não continha quase nada. Só uma planilha. Que você não entenderá, mas que para mim tinha uma importância fundamental. Nesta planilha estavam as resoluções para o Ano Novo que se aproxima. Agora: por que esta planilha era tão importante para mim? Por uma razão muito simples, amigo ladrão: como muitos, sempre prometi a mim mesmo mudar de vida no novo ano. E, como muitos, eu não cumpria essas promessas -que, apresso-me a dizer, nada tinham de extraordinário. Eu prometia, por exemplo, deixar de fumar. Prometia fazer exercício físico. Prometia aderir a uma dieta que me fizesse perder o excesso de peso. Prometia deixar de jogar.


Durante anos fiz essas promessas à minha ex-mulher. E também prometi que teríamos um filho. Ser mãe era o sonho dela. Mas não era o meu sonho, devo dizer. Sou empregado, ganho pouco, e queria melhorar de vida antes que constituíssemos uma família. Ela não dizia nada, sofria em silêncio, mas seguramente deve ter chegado à conclusão de que eu não tinha jeito mesmo. No ano passado, depois da festa de Ano Novo, acordei com a cabeça doendo e sozinho em casa. Ela tinha ido embora. Deixara um bilhete, declarando-se cansada das promessas não cumpridas.


Sofri muito por causa disso. E fui obrigado a reconhecer que tinha de mudar. Mudar em relação às coisas que a aborreciam, o cigarro, o sedentarismo, a obesidade, o jogo. Foi aí que li sobre a planilha das resoluções de Ano Novo. E aquilo renovou minhas esperanças. Sempre confiei na tecnologia, na informática. Eu teria minha lista no computador, que seria programado para me dirigir mensagens de alerta: "Você ainda está fumando!" , "Você ainda não se matriculou na academia!" e assim por diante. Preenchi a planilha e fiquei tão feliz que saí para comemorar, mesmo sozinho. Sorte sua. Agora, não existe mais planilha alguma. Você levou meu computador e, com ele, minha motivação. Mas pelo menos atenda a um especial pedido.


Faça uma cópia dessa planilha, amigo ladrão, e mande-a à minha mulher (na própria planilha estão o e-mail e o endereço dela). Dê o seu testemunho de que eu estava a ponto de mudar, pronto para recomeçar a vida com ela.


Com o que eu não apenas lhe perdoarei como ficarei muito agradecido. PS: Feliz Ano Novo."


Folha de S. Paulo, 28/12/2009

Folha de S. Paulo,, 28/12/2009