Tudo neste mundo é relativo, como se gostava muito de repetir há algumas décadas, quando Einstein era de certo modo novidade e liam-se livros de divulgação sobre a teoria da relatividade de que ninguém entendia nada, a começar pelos próprios divulgadores. Acostumamo-nos a isso. Continuamos a não entender nada da teoria da relatividade, mas a incorporamos ao nosso dia-a-dia, talvez cada um à sua maneira e de acordo com suas circunstâncias.
Aos domingos, para certos intérpretes da teoria da relatividade, como eu, as coisas tendem a ficar mais relativas ainda. Certamente esta afirmação é uma perfeita asneira científica, mas o método científico não se distingue pela humildade. Quer ter o monopólio do conhecimento aceitável. Tudo o que escapa a ele é porque não merece respeitabilidade. E, se não dispõe de meios para abordar algo, declara aquele algo incognoscível. É muita presunção, sim, pois o próprio método científico não chegou a uma conclusão satisfatória sobre o que é a realidade, não sabe de que o Universo é composto e vive enredado por mais perguntas que respostas. E onde ficam poetas, pintores, visionários e artistas em geral, que "conhecem" a realidade de outras formas, ou conhecem outras realidades e as expressam de maneira pessoal?
Ficam por aí mesmo, felizmente, e é fácil ignorar esse nariz empinado, notadamente nos domingos. Nos domingos, o sujeito da observação - ou seja, cada um de nós - tende a mudar, uns mais outros menos, conforme as perspectivas do dia, os traumas e alegrias de domingos passados e até as condições meteorológicas. Estas últimas não sei como estão hoje, mas as outras se encontram em pleno estado dominical e, assim, é com grandes alterações relativas que percebemos, por exemplo, o nosso imenso Brasil e seus problemas.
Ah, não hão de ser tão grandes problemas assim, é tudo altamente relativo mesmo. Por exemplo, não vemos e lemos como São Paulo, nossa maior cidade e uma das maiores do mundo, enfrenta problemas urbanos sérios, como o trânsito, as inundações, os transportes, a violência? É, lemos, vemos, mas isso tem que ser bastante relativo, sim. Porque, na discussão que envolve a escolha de quem vai enfrentar esses e outros problemas, um dos candidatos, no caso a candidata Marta Suplicy, procurou atribuir importância ao fato de que seu concorrente é solteiro e não tem filhos. Como? A lei orgânica do município de São Paulo requer que o prefeito seja casado e/ou pai? Fará o mesmo a Constituição Paulista?
Não, não requerem e, portanto, os problemas de São Paulo não devem ser tão sérios assim. Porque, se fossem, não haveria lugar para ficar discutindo sobre o status matrimonial do candidato ou sua presumida recusa a ter filhos. Mas d. Marta achou isso relevante. Deve ter sido alguma manobra política tão ladina, tão astuta, que o comum das gentes não consegue percebê-la. Então, vamos imaginar, para fins de discussão, o que é que d. Marta faria se o seu oponente respondesse que não só não tinha filhos, como era homossexual. Que seria que d. Marta iria fazer com a informação? Chamar o oponente de "bicha, bicha, bicha"? Revelar-se chocada com aquele comportamento aberrante e reprovável? Defender a tese de que os homossexuais são congenitamente inabilitados para o exercício de cargos de prefeito? Advertir o eleitorado para não votar numa boneca?
Claro que não, tudo isso é incogitável. Então por que as declarações, insinuações, perguntas? Por que trazer o assunto à baila? Bem, isso certamente não afetará a maneira de pensar de gente esclarecida como d. Marta, mas não só ela já tem candidata, como há pessoas preconceituosas, há muita gente assim, que podia mudar de voto, se o candidato fizesse mesmo aquelas revelações. Teria sido por isso que a campanha de d. Marta enveredou por esse caminho? Os problemas de São Paulo são tão bobos que outros assuntos, até fofocas, passam a ter mais importância? Não, não vamos crer nisso, é tudo muito relativo - embora, com sinceridade, eu não tenha idéia de como a frase se aplica aí.
Enquanto penso vagamente em sugerir ao boteco a adoção de algumas redes para a o desfrute do fim de semana, noto mais um exemplo de como agora parecem muito relativos os grandes problemas nacionais. E como outros avultam com a importância que não lhe seria atribuída, não fosse pela benfazeja ação da relatividade dominical. Aqui está um destes, lamentavelmente esquecido por uma imprensa que, sobre seus enormes defeitos, é responsável final sobre tudo o que de ruim despenca sobre nossa cabeças. Mas o brasileiro é imbatível e a mobilização geral certamente será em torno da nossa classificação no Campeonato Mundial do Bumbum Feminino. Alienados que temos sido, com essa conversa de grandes problemas nacionais, hoje todos relativamente inexistentes, esquecemos de prestigiar um nome que nos poderá levar a um novo patamar no concerto das nações.
Refiro-me, é claro, à nossa Melanie Fronckowiak, a brasileira que agora encarna nossas esperanças. Melanie é da famosa cidade de Pelotas, no também nosso Rio Grande do Sul, e agora, para assanhamento geral, ganhou o concurso de Mais Belo Bumbum do Brasil, devendo ingressar em breve nas etapas internacionais da luta em busca do cobiçado troféu. O mínimo que podemos fazer é exigir do governo um selo de correio com o bumbum da nossa valorosa compatriota. E, já que não tem mais futebol por que torcer e a seleção brasileira é tão temida quanto o Exército da Salvação, exigir transmissão direta e organizar a torcida. Os governantes podem não fazer nada, mas nós defenderemos o traseiro nacional a qualquer custo, embora talvez tarde demais.
O Estado de S. Paulo (SP) 19/10/2008