Acompanhei de Nova York a eleição em 2008 que fez de Barack Obama o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Me lembro da festa nas ruas, do clima de esperança que a eleição de Obama transmitiu. O candidato republicano, John McCain, um herói de guerra, teve comportamento exemplar durante a campanha.
Nada parecido espera-se para esta eleição de hoje, que o mundo inteiro acompanha com tanta ou mais expectativa de quando o primeiro negro foi eleito presidente dos Estados Unidos. Quebrou-se ali simbolicamente uma barreira racial, embora na prática o racismo continue sendo um dos maiores dramas da maior potência mundial, causa de assassinatos que, de tempos em tempos, horrorizam o mundo e indignam a comunidade negra, que se sente ameaçada e perseguida pela polícia.
Hoje, mais do que em 2008, está em jogo a própria democracia americana, com o presidente Donald Trump ameaçando não reconhecer uma provável vitória de Joe Biden, o candidato democrata que foi vice de Barack Obama. Uma derrota de Trump terá reflexos na política de meio-ambiente internacional, na política de direitos humanos, na própria economia mundial.
Biden, se apoiado por uma maioria na Câmara e no Senado, uma possibilidade, fará uma reorientação da política econômica, com aumento de impostos, regulação antitruste e controle de preços dos medicamentos. O setor de energias não renováveis seria também afetado pela nova política verde do governo americano. Ambos os candidatos anunciam, pacotes de estímulos econômicos de cerca de US$ 2 trilhões, por volta de 10% do PIB americano, o que faz os analistas preverem boas perspectivas para a economia americana.
Mas o cenário mais provável, segundo analistas dos meios financeiros, é a vitória de Biden com a persistência da divisão do Congresso, com republicanos mantendo a maioria do Senado e os democratas na Câmara. Uma vitória de Biden terá efeito imediato na politica externa brasileira. Ou damos uma guinada para nos adequar à nova era americana, que terá o meio-ambiente e as energias renováveis como pontos prioritários, ou estaremos mais isolados ainda no planeta.
Muito se falou sobre as proximidades entre a vitória de Barack Obama nos Estados Unidos, em 2008, e a de Lula em 2002, e o próprio ex-presidente brasileiro via semelhanças na trajetória de vida dos dois. Eleger um operário no Brasil teve quase o mesmo significado para nós que eleger o primeiro presidente negro nos Estados Unidos. Além de ter chamado Lula de “o cara”, porém, nada mais aconteceu na relação pessoal entre os dois.
Se a relação dos tucanos com o Partido Democrata foi fortalecida pela amizade entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Bill Clinton, uma relação, se não de amizade, também especial, nasceu entre Lula e Bush, que teve uma convivência mais amistosa com ele do que com Fernando Henrique.
A suposta “relação carnal” entre o presidente Bolsonaro e Trump não tem trazido vantagens para o país, ao contrário. Estamos isolados, assim como os Estados Unidos estão perdendo a liderança moral do mundo ocidental. Os vídeos com tapumes sendo colocados nas principais avenidas das principais cidades do país para evitar saques e quebradeiras em protesto contra o resultado da eleição, mostram que a democracia americana corre perigo se esse tipo de político como Trump continuar dando as cartas.
Da mesma maneira nós, no Brasil, também corremos sério risco de vermos nossa democracia subjugada pelo espírito autoritário do presidente Bolsonaro. Com uma vantagem para os americanos: têm instituições democráticas mais sólidas e perenes.
A parecença de Trump com Bolsonaro é um fato, tanto ideológica quanto de mau comportamento. Uma derrota de Trump será um freio no autoritarismo de Bolsonaro. O contrário exacerbará a tendência autoritária da extrema-direita no mundo.