Realizou-se recentemente, patrocinada pela Academia da Latinidade, no seu 23° seminário, em Barcelona, a discussão de todo o impacto das atuais revoluções democráticas no mundo árabe, bem como do avanço da radicalidade republicana nos Estados Unidos e das novas restrições migratórias, justamente contra essa mesma cultura islâmica.
O que inquieta é a queda da garantia do pluralismo, ou dos dois lados do cenário, nessa configuração do novo mundo global.
O imperativo da democracia confronta os seus ditos universais, por todos os atores da contemporaneidade no próprio imo dos regimes ocidentais. Angela Merkel rejeitou o pluralismo na Alemanha, precedendo as declarações de Cameron, no último G20, ao defender uma imigração "boa", em crescente restrição dos fluxos árabes.
O Ocidente passa, hoje, a uma linha defensiva, em que regimes da liberdade confrontam um sistema de exclusão social, de repto ao completo reconhecimento do outro, implicado pela plena cidadania, na esteira das conquistas dos direitos humanos pela modernidade.
A explosão do mundo árabe evidencia essa irrupção de um inconsciente coletivo, atingido, ainda, no fundo das culturas, pelo peso do histórico secular da dominação. Emerge, hoje, diante do autoritarismo dos governos, nascidos das independências, com a volta histórica de que a ruptura com os regimes coloniais se teria tomado um símbolo interrompido.
A sublevação tunisiana, no âmago da cultura mais ocidentalizada da bacia mediterrânea, demonstra os impasses da contradição, nascida de uma verdadeira, ainda que tardia, tomada de consciência. Deu a partida a enlace mimético, diante do espaço, dos vários níveis sobre larga variedade de cenários.
Alastrou-se a maratona das ruas no Cairo, em Benghazi ou em Manama, sem nenhuma liderança ostensiva, sem qualquer marca de uma interveniência nem de um efetivo projeto de mudança.
Defrontaríamos esse abalo profundo atingindo toda a mecânica estabilizadora dos sistemas autoritários pós-independência do Oriente Médio. Expõe-se a área, pela rejeição primária e radical do autoritarismo, à reaparição de rivalidades clânicas, com a tentativa de derrubada das monarquias, num claro confronto com a maioria religiosa de tais países.
As mobilizações e o imperativo de autenticidade histórico, brotados pela primavera árabe, podem pagar o seu preço sobre a efetiva nova ordem internacional. Só se começa a entrever o perigo de um Ocidente antiárabe fíindado numa globalização de denominadores sociais predeterminados.
É o que só faz levantar a interrogação de se tais segregações refletem o traumatismo da catástrofe no 11 de setembro ou se enfrentamos, de vez, um novo malthusianismo econômico-social nesse mercado, numa prosperidade cada vez mais concentrada e exclusivista do velho mundo europeu.
Folha de São Paulo, 24/6/2011