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A regressão dos direitos humanos

 

O papa Francisco, recebendo uma neocatólica no Vaticano, evidenciou o estarrecimento mundial pela pena de morte à mulher condenada por mudar de fé, abandonando o islã. O gesto só enfatiza os extremos a que ora se chega, através das novas “guerras de religião”, impensáveis há uma década e que lavram no coração da África, como no Oriente Médio, nessa inevitável regressão dos direitos humanos, a começar pelas novas limitações impostas ao sexo feminino. Aí está todo o flagelo dos Boko Haram, na Nigéria, raptando colegiais em educandários para a satisfação dos desejos de seus milicianos. E ao atentado se segue, agora, o da mutilação, tendo em vista a eliminação do prazer da mulher.

O que está em causa, e de maneira mais inquietante, é a ameaça crescente ao próprio pluralismo na coexistência de coletividades multiculturais. Deparamos, por exemplo, o conflito das maiorias budistas do Mianmar com os enclaves muçulmanos, e a tensão só cresce no rastilho deixado, ainda, pelo 11 de setembro na afirmação das diferenças, após a vigência multissecular da dominação ocidental. Os jihads e os terrorismos extremaram essa eliminação não do diferente, mas do próprio outro, neste século, nascido sob a égide da declaração irreversível e urbi et orbi dos direitos humanos. Só se reforça, hoje, essa distância pelos fundamentalismos na maioria dos países muçulmanos, e nas culturas africanas, nas suas afirmações identitárias. Agrava-se a apreensão mundial contra esses guetos emergentes de reconhecimento coletivo, reforçados ainda, especialmente, no Oriente Médio, pela regressão dos Estados nacionais, demolidos pela busca dos califados a uma plena regressão histórica.

A violência dos movimentos sucessores do Al Qaeda foi um prenúncio do quanto as radicalizações identitárias vêm à forra do universalismo em que o último meio milênio construiu a visão do progresso e do bem-estar coletivo. O imprevisível desfecho da contenda dos Boko Haram cobrará do Ocidente qualquer transigência em relação ao advento do verdadeiro pluralismo cultural em nosso tempo.

Jornal do Commercio (RJ), 01/08/2014