O presidente da Câmara Arthur Lira não tergiversou. Perguntado como definiria hoje o sistema de governo brasileiro, diante do protagonismo crescente do Legislativo, respondeu: semipresidencialismo. Aliás, há anos que Lira defende a adoção do semipresidencialismo, tendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes como parceiro nessa defesa.
Assim como nossa experiência de parlamentarismo, no entanto, o semipresidencialismo, embora também há anos vigore extraoficialmente, só é lembrado como alternativa a nossas constantes crises institucionais perto das eleições presidenciais, o que o leva a ser taxado como uma solução golpista. Se houver disposição dos políticos de debaterem aprofundadamente o assunto para adotá-lo a longo prazo, se esse for o consenso, pode ser que consigamos alguns avanços.
O cientista político francês Maurice Duverger, grande teórico do tema, definiu o semipresidencialismo como o regime que reúne um presidente da República eleito por sufrágio universal e dotado de notáveis poderes, e um primeiro-ministro e gabinete responsáveis perante o parlamento. Esse aspecto do semipresidencialismo, o do aumento da responsabilidade do Legislativo no governo, parece fundamental aos estudiosos do assunto.
Resolveria teoricamente a grande crise que vivemos, em que parlamentares têm direito a emendas impositivas - isto é, o governo tem que pagá-las - que na maioria das vezes nada têm a ver com os projetos nacionais. O aumento da responsabilidade política do Parlamento na construção do governo seria uma vantagem desse sistema, evitando que os parlamentares decidissem suas emendas com base apenas nos seus interesses políticos, ou simplesmente criticassem o governo, sem contrapartida.
Muitos especialistas veem no Presidente da República, eleito pelo voto direto nesse sistema de governo, o garantidor da estabilidade institucional, com um papel próximo ao do Poder Moderador, devendo agir como estadista e fiador das instituições. Uma proposta semipresidencialista deveria reservar papel fundamental ao presidente: símbolo supremo da unidade nacional, árbitro do governo, condutor da política externa e comandante em chefe das Forças Armadas.
Seriam atribuições privativas do Presidente da República indicar, nomear e exonerar o primeiro-ministro e dissolver a Câmara dos Deputados, e convocar novas eleições. Alguns incluem entre as atribuições a indicação de ministros dos tribunais superiores, dos comandantes das Forças Armadas e dos embaixadores; a condução das relações diplomáticas; a iniciativa de projetos de leis, entre outras.
O primeiro-ministro, por sua vez, seria o chefe de governo e da administração pública, atuando no varejo das disputas políticas. Nosso histórico, no entanto, mostra que as mudanças de sistema de governo sempre ocorreram nas crises, e todos tiveram que ser “abrasileirados” para atender às peculiaridades de nossa política. O presidencialismo brasileiro foi copiado por Rui Barbosa da Constituição americana em 1891, para substituir o parlamentarismo já “flexibilizado” que existia no Segundo Império.
Na renúncia de Jânio em agosto de 1961, implantou-se o sistema “parlamentarista” para solucionar a crise institucional, já que os militares não aceitavam a posse do vice-presidente João Goulart. O deputado Tancredo Neves foi feito primeiro-ministro em setembro de 1961, mas, como haveria em outubro de 1962 eleição para a Câmara dos Deputados, renunciou em julho de 1962, e assumiu Brochado da Rocha, que não era deputado, quer dizer, não era parlamentar.
Desde o governo Michel Temer, que fora presidente da Câmara por três vezes e é defensor do semipresidencialismo, o Parlamento tem aumentado sua influência no governo, até chegarmos ao simulacro de semipresidencialismo identificado por Arthur Lira como nosso sistema de governo de fato.