Não me dei ao respeito de assistir a nenhum desses shows da realidade que entraram em moda na TV de alguns países, Brasil inclusive. Nada tenho contra eles, apenas as realidades que eles mostram não me interessam. Não me comovo com elas, nem me revolto pelo fato de um cara dormir de boca aberta ou fechada, de determinada mulher ser assim ou assado. A realidade deses programas é óbvia, e a interação que provocam, excitando o público a torcer por um ou por outro, é primária. Ou como se dizia antigamente, "de quem não tem nada que fazer".
Infelizmente, há um show da realidade diferente das produções mais ou menos macetadas da TV. A crise do Oriente Médio, por exemplo, com seus desfiles de mortes e massacres, sua não-solução, é uma realidade que entra pelos nossos olhos, diariamente, e tem um significado de cruel advertência.
Entramos num novo século, num novo milênio, e a história do homem continua a fabricar um tipo de realidade abominável. Ao contrário da guerra na Ásia Central, que me parece episódica, em torno da caçada a terroristas, e que sempre existirá enquanto houver fortes e fracos, os conflitos entre israelenses e palestinos têm um DNA mais complicado, que envolve, queiramos ou não, a própria condição humana.
Não se trata de uma luta religiosa nem mesmo territorial, embora os dois ingredientes também atuem nas motivações de uns e outros.
Lendo-se a Bíblia, que gerou as três principais religiões monoteístas, a maldição do inimigo está presente em todos os textos. E o inimigo não é espiritual, mas guerreiro. Daí que até certo ponto eu considero a Bíblia uma obra em progresso, qu continua sendo escrita com o sangue da estupidez humana.
Jornal do Comércio (Rio de Janeiro - RJ) em 06/04/2002