O caso do assassinato de um ativista petista por um agente penitenciário bolsonarista é simbólico de alguns fenômenos muito típicos do momento crítico que o país vive. O presidente Bolsonaro aproveita-se de uma divisão familiar, infelizmente comum hoje em dia, para imiscuir-se entre os familiares do morto neste momento de dor, não para apresentar condolências à viúva e aos filhos, mas para extrair dos irmãos bolsonaristas palavras de apoio, livrando-o da responsabilidade pelo ambiente de tensão e violência que tomou conta da campanha eleitoral. Aumenta, assim, a divisão familiar.
Em vez de se solidarizar com a viúva e ficar preocupado com um assassinato por questões políticas, o presidente, ao saber que parte da família da vítima é bolsonarista, pegou esse atalho para dizer que o crime não foi político. É uma manobra de quem só pensa em si. Bolsonaro tem essa capacidade de ser duplo quando lhe convém. Seu seguidor foi chutado na cabeça enquanto estava no chão, tendo sido baleado pela vítima, que acabaria morrendo. Pois o presidente deu uma dimensão maior à surra que o assassino levou, o que pode ser condenado pois o atacante estava ferido e dominado, do que à morte do atacado.
Há outros exemplos de como Bolsonaro se utiliza das circunstâncias quando lhe convém. Insiste que partidos de esquerda estão envolvidos no atentado à faca que sofreu na campanha de 2018, embora todas as investigações tenham demonstrado que foi o ato isolado de um louco. Mas reclama quando o ligam ao assassinato em que um agente penitenciário atira e mata um cidadão aos gritos de “aqui é Bolsonaro”.
Ele persegue órgãos de informação que lhe são críticos, usa métodos transversos de censura ao negar propaganda oficial a alguns veículos de informação, mas ao mesmo tempo exige liberdade total de expressão para seus apoiadores nas redes sociais, financiados por esquemas públicos e privados de bolsonaristas. Costuma defender-se dos que o criticam por incentivar a violência, como quando disse que era preciso “fuzilar a petralhada”, afirmando que seria uma mera figura de linguagem; finge não entender que metáforas violentas, ou imagens agressivas, fazem parte do arsenal retórico de quem consagra a violência como forma de fazer política.
É católico, mas foi batizado no Rio Jordão por evangélicos, transformando-se no primeiro presidente brasileiro com ligações religiosas ostensivas. O projeto evangélico de chegar ao poder, explicitado pelo fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, autodeclarado Bispo Macedo, formalizou-se com Bolsonaro, que exagera em decretos que favorecem essas igrejas. Assim como, sendo um militar de segunda categoria, ou um “mau militar” na definição do General Geisel, obteve uma “expulsão negociada” do Exército por atos de insubordinação e atentados terroristas, tornou-se a ponte para a volta dos militares ao poder pela porta da frente da política brasileira.
Do jeito que a radicalização vai tomando conta do debate político, os militares correm o risco de voltar a sair pela porta dos fundos, como aconteceu com o General Figueiredo, que, se recusando a passar a faixa ao presidente José Sarney, teve de sair pelos fundos do Palácio do Planalto.
Outra questão importante que o assassinato político de Foz do Iguaçu traz à tona é a estranhíssima informação de que o agente penitenciário tinha “mania de fazer rondas”, ele e alguns companheiros seus de uma associação. Teria sido numa dessas “rondas”que soube da festa temática a favor do PT e foi lá protestar. Mas guarda penitenciário não tem que fazer ronda.
Além do mais, identificar numa festa de aniversário motivo para atacar pessoas a tiros demonstra um grau de violência inaudita. Se as “rondas” que o agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho e seus amigos fazem é para identificar petistas, aí a gravidade torna-se maior. Se existem militantes armados em grupos que estão atrás de petistas em Foz do Iguaçu ou noutros lugares do país, se configura a ação de uma milícia política que eleva potencialmente o perigo dessa radicalização.
O caso precisa ser investigado a fundo e coibido imediatamente. O procurador-geral da República, Augusto Aras, se esquiva de uma investigação federal, alegando que o caso está restrito à região em que aconteceu. Mas terá de entrar na história se ficar claro que essas “rondas” são indícios muito fortes de milícias armadas para o caso não ser acompanhado em nível federal. Precisamos saber o que está acontecendo no país.