O discurso do presidente Bolsonaro na abertura da Assembléia-Geral da ONU foi surpreendente não pelo que falou, pois não há novidade no seu discurso, nada que não seja conhecido por todos, aqui e no exterior. O que surpreendeu é que se esperava que o discurso fosse pacificador e conciliador, quando foi agressivo na sua maior parte, e defendeu posições anacrônicas na política externa.
Quem ainda tinha esperança de ver o presidente brasileiro associando-se a posições progressistas das democracias ocidentais frustrou-se, mesmo porque o presidente e seus assessores, oficiais e informais, como o guru Olavo de Carvalho, consideram que o termo “progressista” identifica socialistas e comunistas, não governos que se alinham aos conceitos e valores do mundo atual globalizado, mas não globalista, como gostam de criticar.
Nessa visão extemporânea do mundo, o governo brasileiro vê na discussão sobre os interesses globais, como o meio-ambiente, uma tentativa “de apagar nacionalidades e soberanias”. Como exortou Bolsonaro no final de seu discurso, (...) “Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer”.
Não foi à toa que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimentou Bolsonaro pelo discurso, embora não tenha encontrado tempo na agenda para um jantar, ou ao menos um encontro privado, como era esperado pela comitiva brasileira.
Pelos assessores que fizeram o discurso, o tom não poderia ser outro: General Heleno, ministro Ernesto Araujo, Eduardo Bolsonaro e assessor internacional Filipe Martins. Foi uma defesa das posições que assume desde a campanha eleitoral, e usou a tribuna da ONU como um palanque para seu público interno.
Bolsonaro erra quando diz que representa o pensamento da população brasileira. Ele representa o Brasil, pois foi eleito presidente, mas muito do que diz não tem a concordância da maioria. Foi firme e não se intimidou diante da platéia e da possibilidade de protestos – apenas a representação de Cuba se retirou.
O que pode ser visto como uma qualidade, coragem de reafirmar suas posições mesmo num ambiente potencialmente hostil, não significa que persistir no erro deixa de ser um defeito.
Só significa que está mais à vontade no cargo, pois quando foi ao Fórum Econômico Mundial de Davos, logo depois de tomar posse, perdeu a chance de marcar posição lendo um discurso de 8 minutos, quando tinha 45 minutos à sua disposição.
Mas assumiu naquela ocasião compromissos importantes, para incentivar os investidores estrangeiros. Falou em reformas, em abertura da economia, simplificação da burocracia para melhorar ambiente de negócios, diminuição da carga tributária, abertura para o mundo e ainda se comprometeu com preservação do meio ambiente. Coerente com o que está fazendo, com exceção do meio-ambiente.
Ontem na ONU, se preocupou também em agradar os investidores, mas abriu mão de potenciais aliados, contentando-se com o apoio que imagina ter do governo Trump. O problema é que Bolsonaro assume as suas verdades como se refletissem fatos, e esses muitas vezes o desmentem.
Foi um discurso radical, mas sem perder a linha, uma retórica agressiva, mas sem ser perder a compostura do cargo. O presidente mostrou que tem posição e sabe o que quer. Nem sempre, no entanto, o que ele quer representa o melhor para os interesses do Estado brasileiro, mas apenas ideias pessoais, que podem ser prejudiciais.
Ontem, Bolsonaro perdeu a oportunidade de levar sua assertividade ao porto seguro da conciliação e do entendimento. Ao contrário, reafirmou os pensamentos mais retrógrados, inclusive sobre valores morais e religiosos num cenário inapropriado, mergulhou de volta na Guerra Fria, mas dispensou o apoio da Europa com críticas veladas ao presidente da França Emannuel Macron e à chanceler da Alemanha Angela Merkel.
Reafirmar a soberania nacional sobre a Amazônia com ataques a países que deveríamos querer como aliados pode alegrar seu público interno e uma ala mais radical das Forças Armadas, mas não resolve a situação. Só ficamos mais isolados num mundo necessariamente conectado.