O fato novo na luta contra o crime organizado é a nacionalização da atuação das grandes facções criminosas do Rio e São Paulo, que às vezes estão de conluio, outras se opondo entre si, com o apoio de facções regionais. A tragédia em Manaus colocou em realce ainda um novo patamar na ação dessas facções, que hoje disputam o mercado de drogas nas fronteiras com Paraguai e Bolívia.
O segundo maior massacre no sistema penitenciário brasileiro não pode ser visto como uma surpresa para as autoridades da área. O Complexo Prisional Anísio Jobim já havia sido classificado por diversas organizações que trabalham em presídio como um caldeirão prestes a explodir pela disputa de facções criminosas.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia indicado que a Cadeia Raimundo Vidal Pessoa era “medieval”, e por isso ela foi desativada. Agora, 223 membros do PCC serão transferidos para lá, o que prenuncia novos problemas.
É verdade que pela primeira vez em muitos anos o governo federal tomou iniciativas para coordenar ações de combate ao crime organizado, e construção de novos presídios, e recentemente houve uma reunião com os chefes de todos os poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e várias autoridades responsáveis pela segurança pública para definição de ações conjuntas com três eixos: redução de homicídios dolosos e da violência contra a mulher; racionalização e a modernização do sistema penitenciário e fortalecimento das fronteiras no combate aos crimes transnacionais, em especial narcotráfico, tráfico de armas, contrabando e tráfico de pessoas.
A Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministra Carmem Lucia, determinou a utilização imediata das verbas do Fundo Penitenciário para o aprimoramento e a construção de penitenciárias no País, e neste janeiro o governo preparava-se para lançar o Pacto Federativo pela Segurança Publica, que está sendo elaborado pelo Ministério da Justiça e Cidadania, com a participação de todos os Estados.
A visão estreita e regional da abordagem da segurança pública, de que ela é responsabilidade dos governos estaduais, embora correta do ponto de vista jurídico e constitucional, já não corresponde à necessidade de enfrentar um problema que tem características nacionais e ameaça a segurança do país.
Temos exemplos aqui na América do Sul, de países como a Colômbia que ficaram reféns durante anos do tráfico de drogas, e as facções criminosas que controlavam esse tráfico se juntaram a grupos guerrilheiros, levando para outro patamar a gravidade da situação.
O governo Temer está atento a essa gravidade, tanto que realizou uma reunião ministerial do Cone Sul, que tratou pela primeira vez na história do tema segurança nas fronteiras e combate aos crimes transnacionais. Ministros do Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai assinaram a Declaração de Brasília com o compromisso de fortalecer a cooperação no enfrentamento ao tráfico de drogas, de armas, de pessoas e também à lavagem de dinheiro.
Se não acelerarmos as providências, estaremos deixando que essas facções criminosas, que atuam hoje no país todo, ganhem força e tomem conta cada vez mais de territórios, e sabemos que nem mesmo os presídios estão imunes. As facções dão ordens de dentro das cadeias, e recentemente tivemos exemplos de governos estaduais que tentaram endurecer a vigilância nos presídios, no Rio Grande do Norte e no Maranhão, e sofreram reações violentas das facções criminosas, sendo necessário que a Força Nacional interviesse.
Negar que exista uma guerra de facções criminosas pelo controle dos presídios e do tráfico de drogas, como faz o ministro da Justiça Alexandre Moraes, não levará a uma boa solução. O governo federal tem que se convencer de que esta é uma questão de segurança nacional e, a partir daí, tem que agir com as Forças Armadas para tentar controlar a ação do crime organizado, que se espalha pelo território nacional.
Essa disputa em Manaus é mais delicada porque a facção regional controla o tráfico de drogas nas fronteiras do país, em disputa com facções de outros países. A facção criminosa de São Paulo, que disputava com a facção regional o controle do tráfico, já tem ramificações em diversos estados, inclusive no Rio de Janeiro, onde disputa o controle da Rocinha e outras áreas com facções locais.
A segurança pública passou a ser uma questão de segurança nacional com a ampliação do escopo das facções criminosas, e o governo federal terá que atuar mais diretamente se não quiser perder o controle da situação, o que às vezes parece já estar acontecendo.