Não é preciso ter um papel assinado com a confissão para saber-se que tanto interesse assim na direção-geral da Polícia Federal tem objetivos além da simples nomeação. Um organismo técnico, de fundamental importância para a estruturação de um sistema nacional de combate à corrupção, deveria ter sua atuação acertada pelo presidente da República com seu ministro da Justiça em termos conceituais, e a escolha do comando do órgão deveria atender a esses critérios técnicos.
A expectativa geral, no entanto, é que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, mande arquivar o processo, não porque não existam condições para a denúncia, mas provavelmente ele vai aceitar a tese de que não há um ato de ofício que incrimine o presidente.
Esse talvez seja o principal embate entre Augusto Aras e o ex-ministro Sergio Moro, que, quando juiz da Operação Lava-Jato, seguiu a trilha aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão, e passou a não tratar o tal “ato de ofício” como condição indispensável para condenar alguém.
Quando inexistente esse papel assinado pelo criminoso, os ministros do STF e, depois, os juízes das diversas instâncias do Judiciário, passaram a aceitar o acúmulo de indícios, as provas testemunhais, como suficientes para a formação de um juízo final.
O procurador-geral tem diante de si a recondução ao cargo no final de seu mandato e, subsidiariamente, uma possível, mas não provável, indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF). São tentações humanas que podem se sobrepor à decisão mais apropriada, que seria o oferecimento de uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro e o subsequente julgamento pelos “onze filhos da puta” do Supremo, como teria definido o ministro da Educação, Abraham Weintraub, na tal reunião em que o presidente ameaçou demitir o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro se não mudasse o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro.
Como Weintraub diz que não se lembra de ter dito palavrões, somente a íntegra do vídeo, se liberada pelo ministro Celso de Mello, poderá esclarecer esse escândalo paralelo à ameaça de interferir na superintendência do Rio, e na diretoria-geral da Polícia Federal.
O noticiário é farto em informar, desde agosto do ano passado, que o presidente Bolsonaro pressionava Moro a trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio, nicho eleitoral da família Bolsonaro. Só a insistência, e agora a confirmação de que, ao trocar o diretor-geral da PF, a primeira decisão do novo diretor-geral foi mudar a chefia regional, seria por si só eloquente para demonstrar o interesse de Bolsonaro nesse caso e, por conseguinte, a interferência política presidencial num cargo cuja escolha do titular não é de sua responsabilidade.
Como nomeia o diretor-geral da PF, Bolsonaro acha que deveria mandar na instituição, que, no entanto, é do Estado, e não de seu governo. A escolha dos superintendentes deve obedecer à autonomia que a PF precisa ter, e um desejo do presidente sobre uma determinada superintendência assemelha-se muito ao interesse dos políticos do Centrão a certos cargos, como a Direção Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), ou o ministério do Trabalho, sonho de consumo de Roberto Jefferson, inelegível por ser um excondenado no mensalão.
Cargos assim, além do orçamento, passam a ser instrumentos eleitorais importantes. Por que algum político quererá indicar o responsável pela Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano do Ministério do Desenvolvimento Regional? As companhias de ônibus podem ser uma pista para tanto interesse.
A superintendência da Polícia Federal no Rio trata de assuntos que vão do combate à corrupção ao crime organizado, do tráfico de armas ao de drogas, que no Rio tem nas milícias urbanas a mais grave ameaça.
Como nomeia o diretor-geral da PF, Bolsonaro acha que deveria mandar na instituição, que, no entanto, é do Estado, e não de seu governo