Num mergulho nos tempos da minha idade infantil, que já vão longe, guardo com saudade as histórias que me contavam mamãe ou a ama de leite, nossa Tatá, de nome verdadeiro Gertrudes.
Nesses momentos de acalanto ouvia histórias de Trancoso. Com o continuar dos tempos e a curiosidade intelectual, fiquei interessado em saber quem tinha sido esse tal Trancoso, cujas histórias competiam com os Contos da Carochinha.
Trancoso fazia parte do nome completo de Gonçalo Fernandes Trancoso, um dos primeiros contistas portugueses, que, para aplacar as dores pela perda da esposa, de uma filha de 24 anos, de um filho estudante e de um neto, em virtude da peste que assolou Lisboa em 1568, resolveu escrever sobre a necessidade de uma cultura sólida para os jovens da época, principalmente as moças, dentro da ética eclesiástica. Assim, em 1575 surgiram as duas primeiras partes dos Contos e histórias de proveito e exemplo, completadas com uma terceira depois da 4.ª edição.
O livro teve sucesso entre os séculos XVI e XVIII, época em que entrou em quase completo silêncio até o século XX, quando pesquisadores de outros campos do saber, como ética, cultura geral, reciprocidade e educação exemplar, procuraram nas histórias infantis informações preciosas nem sempre recolhidas em outros trabalhos literários.
No ano 2000, o professor Fernando Ozório Rodrigues, colega da Universidade Federal Fluminense que desde a dissertação de mestrado mergulhou nas informações e na necessidade de uma edição criteriosa sobre Trancoso, concluiu sua tese de doutorado “Trancoso e as histórias de proveito e exemplo: o texto, a língua e o léxico”. A tese, defendida na UFRJ depois de quase dez anos de pesquisa no Brasil e no estrangeiro, culminou com a edição n.o 9 da Coleção Estante Medieval, publicada pela editora da UFF, em 2013.