Início de mês e de ano. O cidadão é daqueles que procuram estar sempre em dia com suas obrigações. Organizadíssimo. Mas em poucos dias vive três situações exemplares.
Primeira: precisa renovar a carteira de motorista, porque o exame de vista venceu. Vai ao banco e paga o Duda. Liga para o teleagendamento do Detran. Depois de perder um tempo enorme ouvindo a irritante musiquinha de espera, finalmente é atendido. Informam-lhe que só há horário vago daí a dias. Preocupa-se porque o prazo fica apertado demais. A atendente, solícita, lhe faz uma sugestão. Por que não recorrer ao “Poupa-Tempo”? É um serviço ótimo, economiza tempo e esforço. Num só lugar se entregam os documentos e se faz o exame. Dá-lhe o endereço. O contribuinte agradece. Que bom saber que agora há essas coisas, e as autoridades se preocupam com o cidadão! Só que o serviço não marca exames pelo telefone. Precisa fazer isso em pessoa. Fornecem-lhe o endereço e o horário de funcionamento. Até marcam a hora em que será recebido: 13h, daí a poucos dias. Vai perder só mais meia tarde de trabalho. Na data e horário, comparece mas descobre que foi mal informado: naquela unidade não se faz mais exame de vista. Dão-lhe um papel para tentar marcar com o médico, que só podia em outra semana. E lhe passam um pito: na certa entendeu mal, ninguém lhe informaria errado. Ignora a provocação. Precisa renovar o exame. Não pode dirigir sem carteira de habilitação válida. Engole em seco e espera que agendem o exame. É sorteado para um ponto que não lhe convém. Pede para trocar. Não pode. O sistema já sorteou, não aceita mudanças. Que jeito? Vai ter de perder mais uma manhã de trabalho.
Segunda: como tem um apartamento na serra, recebeu a cobrança do IPTU, enviada pela prefeitura de Petrópolis. Vai fazer como todos os anos, pagar em cota única, adiantado, e aproveitar o desconto para quem faz isso. Ao abrir o carnê, constata que falta uma página, justamente a da cota única. Só estão lá as das cotas parceladas. O que terá havido? Examinando com atenção, verifica uma observação impressa, acusando-o de estar devedor, por não ter pago o imposto em 2014. Não é possível. Tem certeza de que pagou. Será que aquela tripinha amarela que agora o banco dá como recibo já terá se apagado e ele não terá como provar? Mas não, pode ficar tranquilo. Como é organizadíssimo, não apenas pagou em dia o imposto de 2014 (e os de todos os anos anteriores), como tirou cópia do comprovante bancário e o guardou grampeado no carnê. Mas não pode pagar o imposto em cota única. Falta-lhe a guia correspondente, que a prefeitura não enviou, em represália por considerá-lo o mau pagador que não é. Perde a tarde ao telefone tentando falar com alguém lá. Inutilmente. Deus do céu, vai ter de ir a Petrópolis em pessoa para resolver! Em dia útil. Mas só depois que estiver com a carteira de motorista, pois está impedido de dirigir enquanto não renovar o exame de vista , esperar seu resultado e receber a nova carteira. Que jeito?
Terceira: recebeu um aviso da Companhia de Gás, em tom um tanto ameaçador. Dizem que sua conta, vencida desde novembro, não foi paga. Sorri, superior. Engano deles. Não pode ser. Há mais de 15 anos tem em débito automático todas as suas contas. Nem se preocupa em pagá-las, são descontadas diretamente. Passam-se alguns dias, vem novo aviso. Vai verificar no extrato e constata que, realmente, há dois meses esse desconto não está sendo feito, como lhe confirmara por telefone a companhia de gás — depois de uma tarde inteira de varias ligações e da indefectível musiquinha. Como pode o banco suspender um serviço desses unilateralmente? Perde o sono, de raiva, frustração, estresse. Vai ao banco, furioso. Outra tarde de trabalho perdida. Descobre que, realmente, o débito foi suspenso. Como? Quem deu a ordem? Esmiúça daqui e dali, descobrem: ninguém suspendeu. Mas a CEG mudou unilateralmente o número do código do cliente em sua conta, sem avisar a ninguém. Nem a ele, nem ao banco. Pode? Não, não pode. Mas fizeram. E ainda cobram multa pelo atraso nos pagamentos. Vai brigar?
Bem que dá vontade. Mas só quer cuidar da vida. Deixa pra lá. Há um limite para o acúmulo de aborrecimentos de cada um. Já perdeu tempo demais do trabalho, com tudo isso. E no momento, cruzes!, está às voltas com a renovação de seu passaporte.
Não há limite, porém, para quanto esses esforços desperdiçados podem roubar da vida econômica de uma nação. Baixa produtividade não é algo abstrato. E quando se fala em Custo Brasil, não se trata de complô da mídia nem intriga da oposição. É o preço da incompetência, da perda de tempo com inutilidades, da educação precária, da má gestão, da condescendência com erros inadmissíveis. Alguém consegue calcular esse prejuízo num balanço?