Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A queda irreversível das ideologias

A queda irreversível das ideologias

 

O ano que passou mostra a virada definitiva da dita "época de ouro do capitalismo" da última trintena. As sucessivas crises financeiras evidenciaram que não se tratava de condições conjunturais do sistema que o Ocidente, via de regra, confundiu com a da própria prosperidade. Dão-se conta as maiorias eleitorais, na reeleição de Obama, ou na vitória de François de Hollande, de como avançava um princípio básico de justiça social na consciência cidadã. Prima por sobre os fáceis alinhamentos de uma direita ou esquerda, ou mesmo de um centro, perdida a régua da velha estabilidade da vida coletiva.

No eixo, hoje, da política de Washington, ou de Paris, emerge a política tributária, decidida, de vez, a aumentar os impostos das ditas "classes mais ricas", pela desmedida acumulação da riqueza nacional. Hollande não recuou da taxa de 75% dos rendimentos superiores a 5 milhões de euros, e ainda não acabou a batalha de Obama com o Congresso, de acrescer, decididamente, toda a imposição dos rendimentos superiores a 450 mil dólares anuais. No caso americano, assistimos à aceleração, no país por excelência, de economia privada, desta visão do Estado como prestador de serviços públicos. Contrastam os Estados Unidos, por exemplo, com a América Latina, ao mal chegarem, ainda, à oferta generalizada e nacional dos serviços de saúde. Seu obsoletismo, aliás, vem de repontar, na ideia da oposição à Obama, de que a segurança também não é tarefa pública, confiável às armas que a Constituição assegura a todo o americano. De toda forma, a penetração na consciência política até agora inédita de antagonismo entre riqueza e justiça social introduz uma dimensão ética no comportamento público americano, a forrar, cada vez mais, o entendimento ativo e reivindicante da cidadania. A nação vai ao imo do sistema, quebrando, definitivamente, a presunção de que o capitalismo garantiria, sempre, ao Ocidente o melhor dos mundos.

Significativamente, entretanto, é exatamente no contraponto com o socialismo que vêm à prova, também, esses conteúdos utópicos, nas suas velhas convicções absolutas. O legado de Chávez, e em convocação nacional, diante do seu possível desaparecimento, é, ainda, o da canonização do sistema. Não é outra a mensagem de esperança, e de fé social e econômica, a carrear a possível solidão do país com a morte do seu líder. É a ilha mais fechada do socialismo que acena à mudança, no inesperado discurso em que Kim Jong-Un abre a Coréia do Norte à convivência com o mais desinibido capitalismo selvagem na Ásia, qual o do regime vizinho de Seul. Manifesta-se a inviabilidade da mantença da presente dinâmica, perdido o assistencialismo chinês, no velho confronto herdado da Guerra Fria. E até onde deparamos, noutro ineditismo irreversível do nosso tempo, a entrada de Pequim na cooperação entre o público e o privado, numa economia de bem estar social? De toda forma, apenas se começa a ouvir a batida peremptória do martelo sob as velhas ideologias da prosperidade, frente ao despertar das exigências de uma cidadania ineditamente acordada, em nossos dias.

Jornal do Commercio (RJ), 11/1/2013