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Queda de braço

 

O cancelamento da reunião que os líderes partidários teriam na casa do presidente da Câmara para discutir a votação do arcabouço fiscal só confirma que Arthur Lira preside a Casa com mão de ferro e tem, mesmo, muito poder, como comentara o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Lira teria ficado irritado com o comentário e mostrou sua força adiando uma discussão de tema fundamental para o governo federal.

Haddad havia dito que a Câmara não podia usar o poder que tem para humilhar o Executivo e o Senado, referindo-se ao fato de a palavra final sobre o assunto agora estar com a Câmara, depois de votações nas duas Casas. A Câmara está “com um poder que nunca vi na minha vida”, disse Haddad em podcast do jornalista Reinaldo Azevedo divulgado ontem.

Tem razão o ministro da Fazenda e, justamente por ter “poder demais”, a Câmara pretende impor ao governo suas vontades. Quer aumentar o fundo eleitoral, já escandalosamente alto — cerca de R$ 5 bilhões — e que também as emendas de comissões, no valor de R$ 7,5 bilhões, sejam impositivas, como outras emendas. Mas quer também controlar o ritmo dos repasses, impedindo que o governo controle o fluxo de acordo com suas necessidades.

Com a dispersão dos partidos políticos, e o aumento do poder do Congresso em relação ao Orçamento, o presidencialismo de coalizão deixou de ter eficácia, pois funcionava justamente pela capacidade do governo de distribuir verbas de acordo com seus interesses, e não os dos parlamentares. Uma das questões mais delicadas da negociação política é a compatibilização do tempo dos parlamentares com o dos governantes.

No Brasil, até recentemente os governantes determinavam o tempo dos políticos, consequência de um hiperpresidencialismo de fato que vigorava. O máximo que o governo admitia era pagar a lealdade de um parlamentar, ou de seu partido, com cargos e nomeações. Mais adiante, com o mensalão e o petrolão, passou a fazer parte dos acordos a participação em esquemas corruptos, mascarados com objetivos políticos supostamente maiores, como financiamentos de campanhas políticas.

Com o controle que ganhou no governo Bolsonaro, que simplesmente delegou ao Congresso a execução do Orçamento, passamos a ter na prática um tipo de parlamentarismo, cujo ápice foi o orçamento secreto, que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional, para alívio do então presidente eleito, Lula. A fragmentação partidária, que as cláusulas de barreira e o fim das coligações proporcionais estão lentamente coibindo, impede que os governos, sejam eles de que ideologia forem, tenham uma maioria parlamentar estável.

A maioria será sempre teórica, e o governo tem de fechar os olhos para dissidências da base aliada. Na atual situação, com um governo enfraquecido em disputa com políticos que tentam se fortalecer confrontando-o, tudo é possível. Até o governo ganhar, mas pagando um preço muito maior que em tempos ditos normais. É o que está acontecendo agora nas votações fundamentais para o governo, como arcabouço fiscal, reforma tributária e outros temas delicados.

A relação com a Câmara, quando ela tem um presidente como Arthur Lira, como já teve Eduardo Cunha, sempre será delicada para os governantes. Quando, adicionada a essa dificuldade prática, temos, como hoje, e como no governo Dilma, uma dissonância ideológica, todo cuidado é pouco. Lula é um líder popular, diferentemente de Dilma, mas, em seu terceiro mandato, já não tem o brilho político que hipnotizou até líderes mundiais como Barack Obama.

Precisa primeiro mostrar serviço na recuperação da economia e, cada vez que se desvia da rota para tomar atitudes já vistas que deram errado, mais problemas tem com o Congresso e com o mercado financeiro, que ora vibra com boas perspectivas, ora teme seus arroubos populistas.

O Globo, 15/08/2023