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Quebrar caixas

 

A tragédia na Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara, no Maranhão, foi frustração e comoção. Foram perdas tecnológicas, científicas, de dinheiro, tempo e trabalho. Mas as perdas humanas, impossíveis de repor, doem mais. Chorá-las é pouco. Há o lado humano, da morte e das famílias. Saí dilacerado da cerimônia fúnebre de São José dos Campos.


Como disse o presidente Lula, a melhor maneira de reverenciar as vítimas é não abandonar o projeto, é consolidá-lo e reconquistar o tempo perdido.


Os que morreram tiveram suas vidas envolvidas no idealismo da FAB de construir o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que frutificou no Centro Técnico Aeroespacial com seus Institutos de Aeronáutica e Espaço e de Estudos Avançados, Fomento e Coordenação Industrial, berços da Missão Espacial Completa Brasileira, destinada a colocar o Brasil no clube fechado da indústria espacial.


Em 1989 visitei o Fermilab, o grande laboratório americano de pesquisa física. Ali o professor Lederman - Prêmio Nobel, descobridor da partícula neutrino - me explicou, com a facilidade dos homens que sabem e não cultivam a enrolação: ''Aqui, estamos brincando de quebrar caixas de segredo, em busca da partícula fundamental da matéria. Quebramos uma, e dentro dela tem outra caixa, quebramos mais outra e tem outra mais, e assim continuaremos quebrando até encontrarmos a última.'' Ali estavam também físicos brasileiros, a equipe do professor Santoro, atrás da caixinha final. O projeto de Alcântara é essa perseverança.


A base de Alcântara consome metade de propelente e carrega o dobro de carga útil que vai ao espaço. Não podemos jogar fora esse trunfo dado por Deus ao Brasil.


Quando perdemos nosso segundo foguete, escrevi na Folha de S. Paulo que a pesquisa espacial tinha entrado em fase de agonia, sem dinheiro e sem política de pessoal. Não segurávamos os nossos cientistas e não tínhamos condições de recrutar novos. No meu governo mantivemos uma média anual de investimentos em ciência e tecnologia acima de 1% do PIB. Em 1989 gastamos no programa espacial 102 milhões de dólares; ano passado, descemos a menos de 20 milhões. Doze anos com orçamentos miseráveis e declinantes.


Todo conhecimento humano é resultado da acumulação da aventura do homem na face da Terra. Como os portulanos eram guardados a sete chaves, hoje os países avançados defendem, como comércio, o monopólio do saber. Fazem isso de todas as maneiras, com pressões econômicas, financeiras e diplomáticas. Daí as dificuldades. Ninguém disponibiliza tecnologia. A nossos técnicos resta o caminho do pioneirismo e da invenção.


O projeto VLS é afirmação de poder, é um passo definitivo para o Brasil. Os países sem acesso ao conhecimento serão, inevitavelmente, destinados a uma nova forma de escravidão: a científica e cultural. O Brasil, sem ter tecnologia de ponta, jamais será potência econômica.


Quebrar as caixas, dominar conhecimento, com coragem e obstinação, faz parte da aventura do futuro.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 29/08/2003

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em, 29/08/2003