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Que diálogo das civilizações?

 

Reúne-se em Aman a Academia da Latinidade, na sua XIV Conferência, para o avanço da possível entente ainda, no universo que já se rachava desde o choque da revolução de Khomeyni em 1978. Vinha ao chão o governo do Xá exatamente após as festas de restauração de Persépolis, em encontro do beautiful people de todo o mundo, nas galas do espetáculo meteórico. As pompas espoucavam às vésperas de toda a revulsão, em que o inconsciente social islâmico começava a perceber a expropriação da sua alma pelas perversas maravilhas do progressismo. O sucesso e champanhas da corte do Xá escondiam a violência da concentração da riqueza, o reino sem volta das corporações internacionais e a contrafação mimética de estilos de vida da sua elite de todos os modismos.


A vitória de Khomeyni mostrou, de logo, que não se tratava de um novo arreglo tribal, nem de cupidezes intestinas do status quo, mas de um clamor à autenticidade nacional, resgatada na sua última hora. A tecnologia serviu para o rádio de pilha catalisar a nação a favor de uma nova consciência. A radicalidade saía das suas aparências cutâneas, não hesitava diante da violência da ruptura e, de vez, ia aos seus pólos extremos e à confrontação com os Estados Unidos, que dura até hoje. Khatami eleito à seqüência do fundador e por voto secreto e democrático de maciça maioria jovem, enviou ao Ocidente o pedido de reabertura do diálogo e busca da inquirição dentro do país do que fosse uma possível coexistência entre culturas ciosas de sua diferença. Haveria que se furtar do aplastamento civilizatório que se transformara em regra da dita racionalidade do progresso ocidental.


A Academia da Latinidade foi a primeira entidade internacional que, fora de governos e de poderes e através da ação de Federico Mayor, ou Mario Soares, ou Gianni Vattimo, ou Carlos Fuentes, entendeu que este mundo Mediterrâneo era a interlocução soft ou aberta, dentro do universo hegemônico. Instalava na arena histórica deste sul da Europa um "vis-à-vis" realmente pluralista do mundo de antes da queda das torres, mas já marcado dos conflitos prévios do Iraque e do Afeganistão pela hegemonia incipiente. Importava buscar a diferença para assegurar, ainda, a permanência de um elenco de culturas numa civilização já à pique da terraplanagem mediática.


O esforço desde 99 foi o de encontrar o escape a este simulacro do Ocidente nascido do Salão Oval e cada vez mais identificado num reducionismo inquietante aos valores da cristandade, trazidos à fortaleza neoconservadora das sucessivas eleições do governo Bush. O contraponto da latinidade se fez, por isso mesmo, com a América Latina, das conferências de Teerã, de Alexandria, de Istambul, ou de Baku, aos encontros do Rio de Janeiro, do Haiti ou de Quito. Buscou-se um primeiro universal do diálogo, inclusive como condição de sua sobrevivência, imposto pela pressão hegemônica. Não é outro do que o dos Direitos Humanos, como ponte levadiça, frente à fortaleza do medo dos Estados Unidos. A nação mais poderosa do mundo expôs-se ao paradoxo da fragilidade por um terrorismo anônimo, suicida, persistente, para além dos denominadores fáceis do Al-Qaeda das primeiras investidas. E é a este mundo islâmico, consciente do horror de um reducionismo anti-Ocidental que se associou à Latinidade, e levou a Conferência de Aman, com o apoio do Príncipe Hassan-bin-Tabal, a definir prioridades indiscutíveis para um desarme dos espíritos e do gatilho da "guerra de religiões".


A onda democrática nos Estados Unidos, expressa pela liderança emergente de Nancy Pelosi, já permite fazer do escândalo de Guantânamo um primeiro abrir de horizontes, contra um Estatuto de Combatentes Insurgentes fora da Convenção de Genebra, ou tortura doce, sob o impacto do horror da queda das torres em Manhattam. É nesta guinada que intervém em Aman as cabeças de um pensar islâmico, como Chedadi ou Arkou, ou Moosa, a poder vadear o fosso do mundo partido. Mas o lograremos, diante ainda de um tempo de massacre mediático, ou de um fatal conformismo no mundo da segurança a qualquer preço, e da eficiência posta à serviço, sem volta, da "civilização do medo"?


Jornal do Commercio (RJ) 13/4/2007