A caminho do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, chamou-me a atenção um cartaz afixado na fachada de uma das humildes casas comuns nas favelas da região. Dizia: “O Halloween é coisa do demônio”.
Há não muito tempo, Halloween era um termo desconhecido para a imensa maioria da população brasileira. Tratava-se de um costume americano, algo que a gente via em filmes, que achávamos interessante, mas que não nos dizia respeito; mesmo porque – e não por coincidência – a data ocorre quase simultaneamente com o Dia de Todos os Santos e o Dia dos Finados. Aos poucos, porém, o Halloween foi sendo incorporado à nossa cultura, da mesma maneira que palavras em inglês e os best-sellers americanos: uma prova da hegemonia americana, cada vez mais contestada, mas ainda presente.
É preciso dizer, contudo, que esta incorporação não resulta de uma medida de força. Os Estados Unidos não invadiram o Brasil para nos obrigar a celebrar o Halloween. Nós fazemos isto porque queremos. E por que queremos? Porque, em primeiro lugar, o Halloween corresponde a um desejo real, a uma real necessidade das pessoas. É uma forma de exorcizar, através da brincadeira, o inato temor que sentimos diante do misterioso. Bruxas estão presentes em nossas fantasias infantis – estão aí os contos da carochinha para mostrá-lo – e é bom, é terapêutico até, que as crianças possam transformar isso em diversão.
Mas a rejeição ao Halloween tem outros motivos, que o cartaz não menciona mas deixa subentendido. Halloween é coisa do demônio, mas não de um Satanás qualquer, e sim do imperialista demônio ianque. Rejeitar a data corresponde, pois, a uma atitude patriótica, nacionalista.
Será? O Halloween não é a primeira festa estrangeira adotada no Brasil. O Carnaval, originalmente, era uma festa europeia, italiana, principalmente (o Carnaval de Veneza era famoso). Uma celebração de grande luxo, mas sem muita graça. Os brasileiros fizeram do Carnaval uma coisa popular, criativa, artística mesmo. E o futebol? Foi trazido ao nosso país pelos ingleses que trabalhavam em empresas e bancos de São Paulo. Uma prática que, ao menos no início, não estava isenta de preconceitos: negros não podiam jogá-lo. Isto explica por que o grande escritor Lima Barreto fundou uma liga contra o futebol. Explicável: Lima Barreto era anarquista, era mulato, era um nacionalista. Mal podia ele imaginar que o esporte teria a importância que tem, e que se transformaria num esporte brasileiro. Como brasileiro poderá ser o Halloween no futuro.
O importante, contudo, não é isso. O importante é que o Halloween é festa, e festa é algo que sempre vale a pena celebrar, seja qual for o motivo (ou o pretexto). Mais: é um direito que temos. Festas nos melhoram como pessoas. Festas, com ou sem bruxas, melhoram nosso mundo.
Mais uma jornada de literatura em Passo Fundo – mais uma vitória da cultura gaúcha.
Zero Hora (RS), 27/10/2009