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Quando quarta-feira chegar

 

Não há como esconder a gravidade da depredação do edifício do Congresso Nacional e da tentativa de sua invasão. Mostra o episódio a vulnerabilidade das dependências da Casa e, conseqüentemente, do seu funcionamento.


Sabemos que a sociedade democrática é uma sociedade de conflitos, composta de grupos de pressão. Mas a democracia moderna instituiu mecanismos de equilíbrio dessas pressões, harmonizadas por um sistema de pesos e contrapesos, distribuído pelos três poderes, que devem funcionar em harmonia e independência.


O Brasil e Brasília criaram um estilo de pressão inédito. Quando recordo a mudança da capital, as justificativas de sair do Rio de Janeiro, sujeito a todas as pressões, e vejo Brasília, posso avaliar o quanto o sonho não tem nada com a realidade.


É que Brasília ficou como um foco único para todas as pressões. Uma cidade tensionada pela luta de interesses que circulam entre a arquitetura de Niemeyer. No mundo inteiro as pressões, as marchas, os protestos circulam pelas ruas das cidades, diluídas e destinadas a mostrar a inconformidade de setores ou a existência de divergências que devem ser ouvidas e ponderadas pela sociedade. Aqui, o que se está construindo ao longo destas últimas décadas é que todas as pressões que se devem formar são dirigidas contra o Congresso. Marcha sobre Brasília, com data marcada, às quartas-feiras. Não para pressionar, mas para evitar que o Congresso funcione, que vote livremente. Para isso ser conseguido a cidade de Brasília facilita com seus amplos espaços de circulação e a arquitetura do prédio do Congresso, vulnerável. Para complicar a situação, uma exótica decisão do Supremo Tribunal Federal retira das Mesas da Câmara e, conseqüentemente, do Senado, os poderes de disciplinar a circulação em suas dependências, a mínima obrigação de qualquer administrador de prédios públicos, coisa da competência dos regimentos internos.


Quando a democracia engatinhava, era apenas uma palavra difusa que tinha pulado da Atenas de Péricles para a Roma dos cônsules, Clodius Pulcro criou as turbas armadas para impedir as votações do Senado, no ano 58, antes de Cristo.


A democracia moderna é diferente. Funciona com regras definidas. Quando a liberdade é desordem, as instituições se desmoronam, a anarquia se instala e sem dúvida começa tudo de novo. É inacreditável que no Brasil ainda tenhamos que discutir essas questões.


Muitas vezes o Congresso brasileiro foi vitimado pela violência institucional, nunca pela insensatez anárquica. Sem Congresso não há democracia, sem democracia não há liberdade e sem liberdade o cidadão simplesmente não existe, porque não existe o exercício dos direitos, impera a lei do grito e muitas vezes das armas, quer sejam fuzis ou pedras.


Ferir o Congresso é ferir a casa onde o povo tem o coração de seus direitos. Onde o povo se manifesta da maneira mais livre, em sua soberania. No Parlamento o povo conquistou e conquista seus direitos fundamentais. Tentar que funcione sem liberdade é um suicídio institucional. É melhor um Parlamento com defeitos do que nenhum Parlamento.


O paradoxo de tudo isso é que alguns desses segmentos ajudaram a eleger o presidente Lula e contra ele agora investem. Dizem que têm o governo, mas não o poder. Ora, o governo é o poder democrático. O outro poder, o absoluto, nunca ninguém teve, graças a Deus, só Ele.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 08/08/2003

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em, 08/08/2003