Outro dia, homenageou-se no Rio a memória do grande pensador San Tiago Dantas. Eram 40 anos da sua morte. Dele pode-se recordar uma frase lapidar: "O pré-requisito básico da cultura é a memória."
Não é difícil concluir que somos um povo de pouco apreço pelas lembranças históricas. Desprezamos fatos e mitos com relativa facilidade, como se não tivéssemos o que comemorar. Sabe-se que isso não é verdade. Nosso povo é rico em história, tem seus heróis bem delineados, mas o problema reside no cultivo disso tudo. Se não se valoriza a escola, no cotidiano mesmo é que vamos encontrar com maior abundância o que poderia ser uma falha da nossa formação cultural.
Vejamos o caso das residências das grandes personalidades brasileiras. Assim como é possível viajar até o interior de Alagoas e encontrar, na cidade de Floriano, como bem tombado, a residência do Marechal Floriano Peixoto, hoje transformada em museu, assiste-se no Rio de Janeiro, sempre capital cultural do País, o apreço relativo pelas casas em que moraram os grandes nomes da nossa história. Algumas foram conservadas, de forma aleatória, outras viraram espigões que representam o símbolo da cupidez imobiliária, sem qualquer intervenção salvadora do Poder Público.
No excelente livro "Onde Morou", de Alda Rosa Travassos, Elizabeth de Mattos Dias e Gilda Boruchovitch, da Coleção Retratos Cariocas, procura-se mostrar, de forma objetiva, o panorama das residências que acolheram nossos grandes nomes, como Manuel Bandeira, Noel Rosa, Tom Jobim, Pixinguinha, Carlos Drummond de Andrade e outros, numa genial mistura de estilos e profissões, o que é bem a cara do Rio de Janeiro, na sua imbatível mescla cultural.
Textos curtos e cristalinos
O livro é bem produzido, tem textos curtos e cristalinos, não deixando de focalizar o que existe de melhor na biografia dos selecionados. Será útil para todos aqueles que amam ou visitam o Rio de Janeiro.
Em alguns casos, como vimos na Espanha, existem placas reveladoras (o que deveria ser obrigatório). Lembrar que aqui morou este ou aquele autor tem efeito didático e revelador. E nem custa tanto assim passar a exigir esse hábito.
Mas o que mais reivindicamos - até mesmo em homenagem às autoridades - é que se crie uma lei protegendo esses bens culturais. Veja-se o caso do maior dos nossos escritores, patrono da Academia Brasileira de Letras. Machado de Assis não teve a sua casa preservada, na rua Cosme Velho, onde viveu 34 anos felizes com a sua amada Carolina. No local, existe, hoje, um imponente edifício de apartamentos. Onde estavam as autoridades que permitiram esse sacrilégio? Se a memória do autor de D. Casmurro não foi devidamente respeitada, o que dizer dos outros que não puderam alcançar o seu glorioso prestígio?
Que o livro "Onde Morou" sirva também para despertar quem de direito para a importância da preservação dos espaços ocupados por tantos cariocas de nascimento ou adoção. É a melhor forma de contribuir, como Oca da Portela, para a exaltação do Rio, "que fez da paisagem escultura." Além de ter um povo admirável.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 8/1/2006