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Punição simbólica

 

Para que o impeachment de um presidente ganhe condições políticas para ser desencadeado, é preciso o povo nas ruas, como vários de nossos líderes têm apontado. Mas, se esta é uma condição necessária, não é suficiente por si só. No seu hoje já clássico estudo "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul", a professora Kathryn Hochstetler, hoje na London School of Economics (LSE) , aponta três razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de uma maioria parlamentar de apoio ao presidente; envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção; e mobilização popular.

Com a adesão do Centrão a seu governo, o presidente Bolsonaro está se blindando contra um eventual pedido de impeachment, e por isso também se empenha para ter na presidência da Câmara e do Senado políticos ligados a essa base parlamentar. Políticos de oposição que apoiam os candidatos do Palácio do Planalto, principalmente na Câmara, que é quem dá inicio ao processo, estão ajudando Bolsonaro nesse intuito.

Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostra que o índice de aprovação das iniciativas do governo no Congresso tem ficado em 72,5%, abaixo dos outros presidentes recentes nesse período de mandato, só superior ao índice da ex-presidente Dilma Rousseff, que era de 58,2% perto de seu impeachment.

Essa adesão basicamente reflete a presença do Centrão, mas também um tipo de chantagem política. O Centrão sempre cobra mais. Agora mesmo pode fazer os presidentes da Câmara e do Senado, e vai controlar o processo legislativo. Esse controle vai exigir do governo uma negociação muito mais aprofundada.

Seus líderes já estão querendo tirar os militares do Palácio do Planalto, nomear o Chefe do Gabinete Civil, hoje ocupado pelo General Braga Neto, o ministro responsável pela Secretaria de Governo, General Luis Eduardo Ramos, desmembrar o ministério da Economia para fazer outros, e cada vez mais, Bolsonaro vai ficar nas mãos deles. Quando o debate sobre impeachment aumenta, aumenta também a necessidade de apoio do Centrão e do futuro presidente da Câmara.

Bolsonaro está entrando numa fase muito perigosa, porque, caindo a popularidade dele como está caindo, e ficando refém do Centrão, vai entregar todos os anéis até não conseguir mais. Se a economia, como tudo indica, for perdida novamente, a crise social vai se agravar. Não é à toa que os dois candidatos do governo, na Câmara e no Senado, estão defendendo a volta do auxílio emergencial.

É esse auxílio que fez a popularidade de Bolsonaro, e pode vir a servir novamente. Corremos o risco de uma crise social grande, o governo rompendo o teto de gastos, sem compromisso com o equilíbrio fiscal, para manter a popularidade. A sorte dele é que não há possibilidade de fazer grandes manifestações populares nas ruas, por causa da pandemia de Covid-19. Não há aglomerações populares, como um jogo de futebol, onde os torcedores xingavam Dilma - ele que tem mania de aparecer nos campos de futebol. Não há carnaval, momento em que as pessoas extravasam suas emoções - e certamente Bolsonaro seria o “grande homenageado”, porque a crise da vacina é brutal.

Ele está caminhando para um 2021 muito difícil, e se a coisa se normalizar, em 2022, durante a campanha, corre o risco de ser impedido. Kathryn Hochstetler mostra que presidentes com minoria no Congresso são alvo mais comum de contestações. "De modo geral, os presidentes cujos partidos tinham minoria no Congresso apresentavam uma tendência maior tanto para serem contestados por atores civis, quanto para caírem”.

Os protestos de rua “são decisivos nos estágios finais de um processo contra um presidente". A professora Kathryn Hochstetler diz que a os protestos de rua em larga escala, "clamando pela saída do presidente, convenceram os legisladores a se inclinarem a agir contra eles". Os protestos têm também a capacidade de "transferir antigos partidários do presidente para a oposição, mesmo contra seus colegas de partido".

Há, no entanto, uma nova visão do impeachment, que está em curso nos Estados Unidos, e já foi usado aqui contra o ex-presidente Michel Temer: uma punição simbólica, para impor desgaste político e limites aos acusados. Nenhum presidente sai fortalecido de um processo de impeachment.

O Globo, 26/01/2021