O problema, que problema é, de leitores contratados pelas editoras para que opinem sobre originais de escritores, assume novas proporções com dois livros publicados na Europa. O de Umberto Eco (em italiano, "Diário mínimo"; em francês, "Pastiches et postiches") apresenta possíveis opiniões de leitores a respeito da Bíblia, de "O processo", de Kafka, de Proust, de Joyce: é obra de crítica e sátira. O segundo divulga uma pesquisa séria sobre as relações de Proust com seus editores: "Marcel Proust à la recherche d'un editeur", de Franck Lhomeau e Alain Coelho.
Os pormenores da luta de Proust para editar a obra-prima literária do século foram típicos daquele tempo e do nosso. O que não se conheceu, até 1966, quando Le Figaro Littéraire o publicou, em sua edição de 8 de dezembro, foi o documento de recusa do leitor da primeira editora, Fasquelle, a que Proust mandara os originais de "Du côté de chez Swann".
O autor do relatório, o leitor a dar opinião, tinha o nome de Jacques Normand e assinava críticas de teatro sob o pseudônimo de Madeleine. Esse relatório, reproduzido, constituiu-se em dura condenação de leitores contratados para opinar sobre originais literários (a recherche de sistema novo, talvez misto, de leitores categorizados e gente do povo, é tarefa para este século).
O relatório de Madeleine é dos mais longos que se conhecem na França. Pergunta o relator: "Que significa tudo isto? Onde quer o autor chegar?" Revela não haver entendido coisa alguma do livro; zomba de Proust; cita páginas e trechos e acrescenta coisas mais ou menos assim: "Esses, personagens, somem, não vão a lugar algum nem dizem frases com sentido".
Proust não leria jamais o relatório, Pasquelle amenizaria o tom na carta oficial de recusa. Já a Ollendorff (ou a seu diretor Alfred Humblot) Proust jamais perdoaria o modo como recusara o livro: "... não posso compreender como um senhor possa levar 30 páginas para descrever como ele se vira e revira na cama antes de conciliar o sono".
Como se sabe, Proust acabaria pagando a edição de "Du côté de chez Swann" na Grasset. Antes, ferrara namoro com a N. R. F. ("Nouvelle Revue Française") onde estavam os escritores que ele admirava: Gide, Claudel, Jacques Rivière, Copeau. Mas Gide cometeria o erro de que levaria uma vida a se penitenciar.
Não deixou opinião escrita da recusa (se a fez, destruiu-a), mas confessaria mais tarde a Proust, de quem se tornaria amigo, que lera apenas três pequenos trechos do livro e fora infeliz nos pedaços em que seus olhos haviam caído, já que, fora do contexto do todo, aqueles trechos lhe pareceram fracos.
Na realidade, informam Franck Lhomeau e Alain Coelho, Gide agira como "homem de partido", não político, explique-se. A N. R. F. era o partido da elite francesa, o que havia de melhor lá estava, e como podia um mundano, homem do "society", como Proust, ousar ter um livro sob essas três letras de prestígio? "Marcel Proust à la recherche d'un editeur" elucida muitos dos pontos desconhecidos, ligados à luta de Proust em busca de um editor.
Os "Anexos", que ocupam 127 páginas do livro, são preciosos. Valeria a pena destacar o capítulo sobre o Prêmio Goncourt dado a Proust pelo "A l'ombre des jeunes filles" em Fleur, em 1919, contra "Lês croix de bois", de Roland Dorgelès - mas a polêmica provocada pela escolha é compatível com ensaio mais longo sobre as diferenças possivelmente existentes entre um romance político, de ocasião, e uma obra que tente surpreender alguns dos mistérios da natureza humana.
Em seu livro sobre Proust, dos melhores escritos sobre o autor e sua obra, analisa Claude Mauriac, o homem e o escritor inteiramente dedicado à sua obra e ao método a que submeteu tanto a si mesmo como a cada fase do livro que, na realidade, foi um só "livro" em oito volumes.
Tribuna da Imprensa (RJ) 11/12/2007