A mobilização do mundo em torno das queimadas da Amazônia deve-se à inabilidade da retórica, muitas vezes seguida de atos concretos, do governo brasileiro em relação ao meio-ambiente, desde o início do mandato de Bolsonaro.
O governo brasileiro, se tivesse o mínimo de inteligência política, e compreensão da inter-relação das economias num mundo globalizado, tinha feito algo desde o início da estação de seca na região, sem dar chance a que a França usasse as queimadas para tentar boicotar o acordo da União Européia com o Mercosul.
A decisão que o presidente anunciou ontem, de mandar o Exército para a região das queimadas para ajudar a combatê-las e a reprimir as ações ilegais, e criar uma espécie de gabinete de crise para acompanhar os acontecimentos, deveria ter sido tomada logo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) alertou para o aumento das queimadas.
Ao invés disso, o governo resolveu desmoralizar o instituto, um dos centros de excelência da ciência brasileira, reconhecido mundialmente. Brigou contra os fatos, como está se vendo agora.
Antes, já tinha brigado com os governos da Noruega e da Alemanha por divergências sobre a utilização do Fundo Amazônia, exemplo de cooperação internacional sadia para ajudar a luta pelo meio-ambiente. Os doadores do Fundo estavam satisfeitos com sua atuação e, por questões políticas, o governo Bolsonaro resolveu intervir.
Não é possível no mundo atual ser contra a atuação das ONGs, organizações civis que representam o interesse da sociedade em escala internacional. O governo Bolsonaro, que é contrário ao que chama de mundialização, pretende limitar a ação das ONGs, considerando-as braços intervencionistas de potências estrangeiras.
Fiscalizá-las, como faz através do BNDES, que gere o Fundo Amazônia, é perfeitamente normal, mas não culpá-las irresponsavelmente pelas queimadas, ou transformá-las, no conjunto, em representantes da cobiça internacional.
Evidente que França e outros países da Europa estão defendendo seus agricultores, o acordo representa uma disputa difícil para eles, pois a agricultura brasileira é moderna e competitiva. O Brasil é um player internacional importante, e precisa tomar todos os cuidados possíveis para não dar margens a boicotes e afirmações falsas.
O problema é que Bolsonaro não vive neste mundo. Tem uma visão retrógrada e ultrapassada de patriotismo, quando uma verdadeira defesa da Amazônia deveria ser a ocupação econômica, explorando sua imensa biodiversidade.
O Professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, em palestra na Academia Brasileira de Letras, a respeito dos desafios para o futuro do Brasil, lembrou que quando a União Soviética lançou o sputink, os EUA entraram em pânico.
Kennedy então anunciou o novo programa espacial para enviar o homem à lua. E advertiu, numa frase que ficou famosa no Moon speech: “Vamos fazer isso não porque é fácil, mas porque é difícil”. Para concretizar o projeto, mudaram o perfil da educação no país, o da indústria também, e em nove anos colocaram o homem na lua.
Para Davidovich, um programa mobilizador para o Brasil deveria ser a exploração da nossa biodiversidade. Nós temos cerca de 20% da biodiversidade mundial, e só conhecemos 5% dessa “fonte de riqueza fantástica”. Tanto em terra quanto no mar, lembrou Davodovich.
Contou que na Amazônia existe uma planta da qual se extrai a bergenina, que tem poder antiinflamatório muito grande, e é também antioxidante. Os laboratórios Merck vendem no Brasil a bergenina purificada por mil reais o miligrama. O preço do ouro é 125 reais o grama. Um miligrama de bergenina vale, portanto, 8 mil vezes mais do que o miligrama do ouro.
O mundo está se preparando para a Sociedade 4.0, alertou com exemplos Davidovich. Segundo ele, na África Meridional cresce o cultivo da soja, uma das nossas mais importantes commodities, especialmente porque a China está comprando terras. A soja africana sairá mais barata que brasileira, no mínimo devido ao frete.
Também a carne, outro produto de exportação brasileira, pode estar a perigo, pois já há pesquisas avançadas nos Estados Unidos para fazer carne sem matar animais, produzida no laboratório a partir da célula do animal, usando tecnologia de célula tronco.
A China também investe em uma tecnologia de carne de laboratório de Israel, que tem três empresas de carne celular. Devastar a Amazônia para explorar madeira ou para pastagens é mau negócio no longo prazo