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A primeira transgressora

 

Eva foi a primeira transgressora? Bobagem. Tanto Eva como Adão eram uns ingênuos, uns babacas. Acreditaram na propaganda enganosa da serpente, e por causa disso foram expulsos do Paraíso, transformando-se nos primeiros sem-teto da História. Não, Eva não tinha a vocação de transgressora. Quem criou a transgressão, ao menos a transgressão feminina, foi outra imaginária mulher. Foi Lilith.


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Escassamente mencionada na Bíblia, Lilith é uma personagem misteriosa, que deu origem a dezenas de lendas, particularmente na Cabala, que é o misticismo judaico. E o que dizem essas lendas?


Lilith foi a primeira mulher de Adão. Enquanto Eva foi criada a partir de uma costela do primeiro homem, Lilith, como o próprio Adão, tinha sido fabricada a partir do barro. A mesma matéria-prima, portanto, a indicar uma igualdade. Desta igualdade, Lilith era extremamente ciosa. Ela não admitia que Adão fosse seu superior. Não admitia sequer que, no ato sexual, ele deitasse por cima dela (uma posição absolutamente mandatória no antigo e patriarcal Oriente Médio). De modo que, descontente, simplesmente abandonou o lar. Anjos enviados por Deus intimaram-na a voltar, mas ela não estava nem aí. Ao contrário, àquela altura já era amante do demônio Samael, com quem teve milhares de demoninhos. A partir daí sua reputação estava feita, e ela passou a figurar no folclore.


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O nome Lilith vem do hebraico laila, que quer dizer noite, mas Lilith também estava presente em lendas da Suméria e da Babilônia como figura demoníaca. E é à noite que vagueia pelo espaço; penetra nas casas, tem relações com homens adormecidos ou usa o esperma daqueles que têm ejaculações noturnas para fertilizar a si própria – gerando demônios, naturalmente. Mas fazer sexo com Lilith é um perigo; segundo relatos cristãos medievais, ela tem a capacidade de secionar o pênis do parceiro com a vagina. Liberação feminina, associada à castração masculina: não é de admirar que, apesar da conotação demoníaca, Lilith seja uma figura de um apelo irresistível. Os românticos adoravam-na e, em quadros do século 19, ela aparece como uma mulher sedutora, sensual. As feministas, por sua vez, fizeram dela um ícone. Existe nos Estados Unidos uma revista chamada Lilith (“independente, judaica e francamente feminista”). Um livro sobre feminismo chama-se A Ascensão de Lilith. Um festival feminista tem como denominação Lilith Fair, a feira de Lilith (há um documentário no You Tube a respeito). E isto sem falar nos incontáveis blogs dedicados a Lilith (Samael deve morrer de ciúmes).


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Lenda? Certamente. Lenda, fantasia. Mas, como Freud mostrou, toda fantasia obedece a um propósito. Lilith era o símbolo da luta das mulheres pela emancipação. Uma luta que, para benefício de homens e mulheres, precisa terminar com a paz. Para que Lilith possa, enfim, gozar de uma merecida aposentadoria.


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Agradeço as belas mensagens de Getulio Silva, Lea Japur, Cenira de S. Machado. Elisabete L. Aires, Maria Augusta S.Correa, Marcelo L. Dornelles, José Diogo C. da Silva, Airton Fischmann, Luciana Job (autora de um estudo sobre o Barão de Itararé), Mauro Duarte. E, a respeito do texto que escrevi sobre a Clarah Averbuck, o papai-coruja Hique Gomez (provavelmente resfriado) mandou uma mensagem, escrita em hiquez, que transcrevo no idioma original: “Olá , beu caríssimo abigo Boacyr, deborei bara de esgrever porgue figuei buito ebociodado gom a badéria sobre a Glarah, e com o seu dexdo sobre a Glarah e aguela hobedagem doda. Eu figo ebociodado adé agora guando eu be lembro... esberei bassar uns dias bara dão falar bobagem... bas guando esdou ebociodado eu sembre falo bobagem. Endão andes darde do gue dunca eu de bando um forde abrazo buito ebociodado. Eu dunca bais vou esguecer esda cena de voce abrindo uma fenda na belicula do tempo e abadando bara a binha filha como se a estivesse recebendo entre um circulo de antigos contistas abigos. Na verdade dão tenho balavras... endão esdas palavras aí que saem ebocidadas do beu dariz, dalves sirvam bra de diverdir um bouco.”


Zero Hora (RS) 17/8/2008