Mil e oitocentos anos antes de haver Igreja Católica e Bento 16, já havia uma seita de dissidentes caldeus que, além de adotarem o monoteísmo, a crença num só Deus, acreditavam no amor nas duas formas que consta da primeira encíclica do papa atual: o "eros" e o "ágape".
Mais ou menos mil anos depois, já com os dissidentes caldeus formando o povo hebreu, então vagando pelo deserto após se libertarem do cativeiro no Egito, um deles subiu à montanha e de lá trouxe a Tábua da Lei, vulgarmente conhecida como os Dez Mandamentos. O sexto era categórico: não pecarás contra a castidade. Tinha a mesma força e valor dos demais: não matarás, não furtarás.
Outro dia comentei que muita gente pensa que a história da humanidade começou com Elis Regina e com João Gilberto gravando "Chega de saudade". Gente que fica admirada quando alguém lembra que antes deles houve Napoleão, Pedro Álvares Cabral, Tom Mix, Getúlio Vargas, Platão e os Irmãos Marx, que nada tinham a ver com o Big Brother de hoje.
A primeira encíclica de Bento 16 nada traz de novo em termos de doutrina e fé. Depositário de um patrimônio moral formado em 2.000 anos de cristianismo e, em alguns casos, de outros tantos milênios da moral judaica, ele se limita a lembrar que Deus é caridade e, ao falar em caridade, vai fundo no conceito do amor, que é decorrência de suas duas vertentes: o "eros" (paixão, desejo) e o "ágape" (refeição de paz entre irmãos e amigos).
Apesar de agnóstico, e talvez por isso mesmo, compreendo essa noção do amor vinda de alguma coisa de cima, seja de um Deus, seja de uma ampla virtude chamada Caridade. Semanticamente, as duas palavras - amor e caridade - ganharam significados e até funções diferentes. Um retorno à origem talvez não desse para salvar o homem, mas o aliviaria de uma carga que tanto o maltrata e confunde.
Folha de São Paulo (São Paulo) 29/1/2006