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A pressão continua

 

Continua nos bastidores a pressão do governo sobre o Conselho da Vale, embora extraoficialmente se saiba que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega desistiu da indicação para a presidência da companhia, caso raro de alguém que desiste de um cargo para o qual não foi convidado. Seria um prêmio de consolação do presidente Lula para Mantega, que considera seu amigo um injustiçado.

A questão não é se Mantega tem ou não condições para presidir uma empresa do porte da Vale, mas lembrar que a mineradora é uma empresa privada, tem critérios próprios para a escolha de seus dirigentes, pelos quais o indicado pelo governo não passaria. A começar pelo fato de que, segundo essas regras, há um comitê de nomeação que recomenda ao Conselho os nomes dos candidatos, escolhidos por uma empresa de head hunter de nível internacional reconhecido.

O governo, porém, fez um recuo apenas tático, continua tendo interesse em submeter a Vale à sua política de industrialização lançada pelo BNDES. A tentativa de exigir a nomeação de um presidente que tenha ligações com o governo continua em andamento, e amanhã ou terça haverá uma reunião do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o presidente do Conselho de Administração da Vale, Daniel Stieler, e o representante dos conselheiros independentes, Ollie Oliveira, para estabelecerem os pontos de contatos possíveis entre a segunda maior empresa de mineração do mundo e o governo Lula. O que não é usual.

Sabe-se que uma das tentativas de Silveira será postergar a decisão sobre a presidência da Vale, que será debatida em reunião extraordinária marcada para sexta-feira. Em oposição à pressão do governo para adiar a decisão para depois do carnaval, há um movimento interno para que a decisão seja tomada logo. Diante da situação tensa estabelecida, a permanência do presidente Eduardo Bartolomeo ganhou força, pois qualquer outra decisão seria admitir a ingerência do governo nos negócios da companhia.

No entanto, não há disposição de transformar essa questão em uma disputa política, que coloque a empresa como uma força oposicionista ao governo, o que não corresponde à realidade. O governo também já entendeu que não pode impor suas vontades à companhia, ao contrário do que faz na Petrobras, que é uma estatal, mas com forte presença na Bolsa de Valores, inclusive nos Estados Unidos.

Lá, um gerente que havia sido demitido por acusações de corrupção voltou ao mesmo posto depois de ter sido vetada a nomeação pelo comitê de conformidade da empresa. O fato é que o governo continua interessado em ter sob seu controle a maior empresa privada de mineração do país, e é esse o motivo para, em meio a essa queda de braço, o Ministério dos Transportes ter emitido uma multa de R$ 25,7 bilhões pelas renovações antecipadas dos contratos da Estrada de Ferro Carajás e Vitória a Minas.

Apenas uma amostra do que o governo pode fazer se a Vale não se enquadrar em suas exigências, pressão sobre os acionistas, representantes de empresas que também têm necessariamente que negociar com o governo demandas próprias. Usar o poder estatal para pressionar uma empresa privada, que tem entre seus conselheiros representantes de empresas globais, é a aplicação de um capitalismo de Estado de baixa qualidade que certamente abalará a imagem do país no exterior.

A disputa colocada em jogo pelo governo vai muito além de nomes para cargos, mas coloca em discussão a atuação de empresas privadas num país que, em tese, é uma democracia capitalista. A simples colocação na mesa de negociação da possibilidade de escolha de um terceiro nome, que não seja nem Mantega nem Bartolomeo, já demonstra uma interferência inaceitável em uma empresa que tem estrutura de organização baseada nas mais modernas práticas gerenciais.

O Globo, 19/02/2024