As chances de o senador Flavio Bolsonaro conseguir que seu processo sobre a “rachadinha” continue na segunda instância no Rio de Janeiro são próximas de zero. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, defensor intransigente do fim do foro privilegiado, foi sorteado para relatar uma ação do partido Rede contra a decisão do TJ do Rio, - ele deve ficar também com a ação do Ministério Público do Rio -, mas qualquer dos ministros atuais tem a mesma posição, alguns até mais drásticas.
Ao apoiar o voto de relator Luis Roberto Barroso, divergiu quanto ao que chamou “perpetuação do foro”. Queria que ficasse explícito que, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.
Na semana passada, quando da decisão do TJ do Rio, Marco Aurelio reagiu indignado: “É o Brasil do faz de conta. Faz de conta que o Supremo decidiu isso, mas eu entendo de outra forma e aí se toca. Cada cabeça, uma sentença”. Na mesma linha, depois de ajustar seu voto à maioria, o hoje presidente do Supremo Dias Toffoli propôs naquela ocasião estender a todas as autoridades que tenham prerrogativa de julgamento em instâncias superiores, inclusive ministros do Supremo e do Ministerio Público, a restrição ao foro privilegiado.
Foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes, que queria até a edição de uma súmula vinculante considerando inconstitucionais dispositivos de constituições estaduais que estendessem a prerrogativa de foro a autoridades em cargo similar ao dos parlamentares federais. Pouco tempo depois, o STF considerou inconstitucional uma decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão que estendia a diversas autoridades o foro privilegiado.
Naquele 3 de maio de 2018, o Supremo decidiu, de acordo com o relator, ministro Luis Roberto Barroso, que o foro por prerrogativa de função conferido aos deputados federais e senadores se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas.
Em seu voto, Celso de Mello declarou-se a favor do fim de todas as prerrogativas em matéria criminal, que é o caso de Flavio Bolsonaro, por entender que todos os cidadãos devem estar sujeitos à jurisdição comum de magistrados de primeira instância,. Já no início do julgamento do chamado mensalão ele havia defendido que a questão do foro privilegiado merecia uma nova discussão.
A nova interpretação da Constituição foi um marco na restrição do foro, fazendo uma atualização dos procedimentos adotados anteriormente, quando o foro privilegiado protegia para sempre seu detentor, mesmo quando ele já não exercia a função que lhe dava essa prerrogativa especial, como acontece hoje com o senador Bolsonaro.
A tentativa de escapar da primeira instância é tão evidente que sua defesa já tentara anteriormente mudar o foro para o Supremo, alegando que Flavio Bolsonaro agora fora eleito Senador. O STF recusou essa manobra. Essa dança das instâncias judiciais, aliás, era uma truque muito usado pelos parlamentares, que a cada nova eleição conseguiam mudar o foro para a primeira instância, levando a que o processo voltasse sempre à estaca zero, até a prescrição.
Por isso, a decisão do Supremo naquela sessão de 2018, por proposta do relator Luis Roberto Barroso, foi de que, na publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
Era comum a renúncia do parlamentar quando o processo chegava na fase final, para que ele retornasse à primeira instância. Flavio Bolsonaro está fazendo o inverso, quer sair da primeira instância, onde as investigações já estão avançadas, para tentar anular todas as provas já obtidas nesses dois anos de investigações. Só que lhe resta pouco tempo.