ALI POR VOLTA DOS ANOS 70 , fez sucesso entre os aficionados um livrinho ilustrado que tinha título inocente, mas propósito nem tanto. Em inglês, era "Positions". Ensinava posições especiais, algumas especialíssimas, para se praticar o ato sexual. Até então, a maior e melhor referência para o assunto era o "Kama Sutra", que, se não me engano, codificava 48 maneiras de fazer aquilo que os livros sérios chamam pelo feio nome de "coito".
Não era vantagem. O Concílio de Trento (1545-1563), realizado na cidade ao norte da Itália que ficou famosa por isso mesmo, reuniu mais de 2.000 bispos do mundo, que conseguiram listar 342 maneiras de transar e pecar de outras e insuspeitadas formas contra a castidade.
Bem verdade que os padres e epíscopos tiveram a eficiente colaboração do próprio Espírito Santo, que os inspirou na laboriosa tarefa de catalogar tantos modos e meios de se praticar o pecado da carne.
Fiquei pensando nisso ao reparar que, ultimamente, em fotos de revistas sérias, mas, sobretudo em filmes, mesmo aqueles que não são declaradamente de sacanagem, há uma tendência em valorizar uma das posições que por sinal figura tanto no receituário oriental, o "Kama Sutra", como no "Índex" ocidental das posições catalogadas pelos conciliares de Trento.
Basta folhear algumas revistas ou ver determinados filmes, e temos o homem na vertical, nu ou parcialmente vestido, e a mulher nua ou parcialmente vestida, enganchada nele, de pernas abertas, envolvendo o companheiro, sustentando-se no ar com a pressão dos joelhos na cintura do homem.
Reconheçamos: a posição é boa, como todas as demais. Não importam as parcelas, importa o produto final. Transmite a imagem da urgência, quando a cama é impossível, não há móveis que ajudem, e o jeito é apelar para o chão ou consumar o desejo daquela maneira.
Não posso garantir que nunca tenha copiado o modelo. Tive minhas urgências por aí, mas -por Júpiter!- nunca foi a minha posição preferida. Requer de parte a parte um certo malabarismo, uma forma atlética que há muito deixei de possuir. E, da mulher, requer não apenas a forma física, mas uma leveza insustentável que anule a gravidade, mas não a essência da carne. O bom é cada coisa no seu lugar, sem outro esforço que não o necessário -e que nem merece o nome de esforço, de tão natural que é.
Os fuscas já saíram de moda, são raros por aí. Mas houve tempo em que, de dez carros trafegando pelas ruas, cinco eram fuscas.
E havia também um esporte muito em voga, que era o de assistir às corridas noturnas de submarino, ali no Arpoador. Mais tarde, por extensão, em toda a orla que vai do Leme à Barra da Tijuca.
Quem passou por aquele tempo sempre desprezou as posições indicadas tanto pelo "Kama Sutra" como pelo Concílio de Trento. E nunca deu bola para a complicada ginástica de obrigar o homem a sustentar a mulher enroscada em sua cintura.
Para falar a verdade, fica difícil explicar como se podia, no estreito espaço da parte traseira dos fuscas, fazer o que se fazia naquele tempo. Basta dizer que uma célebre contorcionista do Lido de Paris, uma tailandesa de olhos puxados, cujas pernas lembravam uma rã, esteve no Rio e deu um espetáculo num teatro de Copacabana. Ficou às moscas.
Suas habilidades, que encantavam os europeus, foram aqui desdenhadas. Qualquer universitária da PUC, qualquer balconista das Lojas Americanas, era capaz de fazer mais e melhor. E fazia, sob a inspiração do momento e a necessidade da hora.
O folclore carioca registrou o caso do casal que se embrulhou de tal forma dentro do fusca que não conseguiu se separar. Transformou-se numa espécie de irmãos siameses, que ficaram se debatendo até que passou o cara que vendia sanduíches e sucos de laranja. Dado o alarme, tiraram os dois e botaram na calçada. Nem assim conseguiram se livrar.
Um caridoso casal no carro ao lado interrompeu os serviços e levou os irmãos siameses para o Miguel Couto. Que registrou a ocorrência como "acidente de percurso".
Folha de S. Paulo (SP) 28/12/2008