Numa democracia, as eleições não escolhem só quem vai governar. Mas também determinam quem não foi escolhido e, portanto, vai fazer oposição. É parte essencial do regime.
Entre nós, nem sempre houve muita clareza nessa área. Tivemos, historicamente, uma tradição de golpes e tentativas de golpes no século XX, que confundiram e distorceram por completo o conceito do que seria oposição. Muitas vezes, apoiados em denúncias forjadas, falsificação de documentos, dossiês apócrifos. Em geral, essas falsificações eram veiculadas pela imprensa, repercutiam nos meios políticos, ecoavam nos quarteis e serviam para desencadear movimentos militares. Em alguns casos, o processo não se cumpriu em sua totalidade. Em outros, sim. Tivemos na década de 1920 o episódio de cartas falsas (manuscritas e em papel timbrado) atribuídas a Artur Bernardes na campanha para a Presidência. E o Plano Cohen, em 1937, atribuindo aos comunistas o complô de um golpe, o que acabou sendo pretexto para Vargas rasgar a Constituição e instituir o Estado Novo. E as cartas Brandi, em 1955, que serviram para acusar o futuro presidente João Goulart (então ministro do Trabalho) de envolvimento com contrabando de armas para instalar no Brasil uma república sindicalista. Logo se comprovou que era tudo falso. Mas o clima de caça às bruxas assim instalado causou uma série de tentativas de golpes nos anos seguintes, até que em 1964 uma delas foi bem sucedida e acabou gerando 21 anos de ditadura.
A partir das primeiras eleições presidenciais após a redemocratização, em 1989, o PT teve seu candidato derrotado em sucessivos pleitos. Foi para a oposição, ao perder uma vez para Collor e duas para Fernando Henrique. O primeiro caiu com um impeachment. O segundo a toda hora sofria campanhas de “Fora FHC” e teve de enfrentar seguidas fábricas de dossiês de acusações jamais comprovadas (que, ao não se ampararem em provas, foram arquivadas e deram origem ao apelido de “engavetador-geral da República”, desqualificando o procurador-geral que as desconsiderara). Tais práticas continuaram com o PT já no governo, tendo como alvo a oposição — como no caso dos “aloprados”: ainda que a polícia tivesse apreendido e fotografado malas cheias de dinheiro em mãos de militantes petistas, só conseguiram apurar que seu destino era o pagamento de um dossiê falso contra José Serra, mas nunca se divulgou quem o encomendara. Em suma, a tradição golpista e de factoides enraizados em acusações falsas tem vida longa na história das oposições brasileiras.
Rejeitando esses modelos, o PSDB nunca soube fazer oposição. Assistiu anestesiado a que suas conquistas fossem demolidas por um palavrório oco. Até recentemente, jamais defendeu com firmeza a estabilização da economia, o controle da inflação, o Proer e o saneamento do sistema bancário (que eliminou os créditos podres e nos protegeu na hora da crise de 2008), a privatização na telefonia ou na siderurgia, o início de programas sociais. Isso deu confiança a seus adversários para irem subindo o tom, chegando a confundir social-democracia com nazismo. E não apenas por descontrole de militantes mais exaltados pela internet, como se esquivou a presidente. Ela mesma afirmou, no ultimo debate da Globo, que o PSDB foi contra o Enem, quando o fato é que o Enem foi criado e adotado na gestão FHC.
Depois de uma campanha que resolveu refutar esse vale-tudo, os tucanos talvez se vissem zonzos, sem modelo de como fazer oposição limpa. Então, vale recordar. E é isso o que sua liderança recém-revelada começa a fazer.
Oposição não é partir para a desforra, tipo blackbloc, pedindo impeachment do governo recém-eleito. Não é buscar auditoria de resultado. Não é propor intervenção militar. Isso é coisa de provocador
Oposição é aceitar o resultado das urnas . E vigiar, acompanhar, cobrar o que fazem os eleitos. Como seus líderes mais responsáveis têm reiterado, também é não aceitar mentiras, não se deixar enrolar, não deixar que o governo engane os eleitores. É agregar para crescer, somar o conjunto de forças que quer ser diferente. É fazer como Aécio propôs: montar grupos de especialistas em determinadas áreas, para acompanhar, fiscalizar e propor. Uma espécie de ministério paralelo, ou shadow cabinet, como tem sido lembrado, e existe em democracias parlamentaristas. É não se deixar intimidar por quem grita mais alto ou arrebanha mais gente para agredir. É seguir na linha que fez crescer na campanha — a de argumentar, resistir a slogans e invencionices. Não deixar que mentiras repetidas sejam aceitas como verdades.
É preciso uma paciência de Jó para resistir a provocações, sabemos. Mas essa oposição limpa dá frutos. As últimas eleições mostraram que o país começa a enxergar. E o eleitor espera que a oposição não iguale seus métodos aos dos adversários, mas a eles se oponha.