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Pontos coincidentes

 

Não foi mera coincidência. Ontem, quase ao mesmo tempo, embora separados geograficamente, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmem Lucia, e os procuradores da Lava Jato em Curitiba deram entrevistas onde os pontos de vista comuns sobre as questões nacionais podem ser constatados.

Os procuradores faziam um balanço dos três anos da Operação Lava Jato, e a ministra Carmem Lucia participou, no Rio, de uma sabatina organizada pelo Globo, onde abordou os principais temas nacionais.  Sobre o foro privilegiado, disse a ministra Carmem Lucia: “É preciso que se saiba o que fazer e como fazer. Tem que ser discutido, não pode ficar como está. Isso (o foro) quebra a igualdade em alguns casos de maneira flagrante”.

Disse o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba: "Amplitude do foro privilegiado no Brasil quebra os princípios de igualdade e de República."

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima foi contundente nos seus comentários sobre a possível aprovação pelo Congresso de uma anistia ao Caixa 2: "O que eles querem anistiar não é caixa dois. Querem anistiar corrupção e lavagem de dinheiro. Pretendem anistiar o coração da Lava Jato. E se anistiarem, a Lava Jato vai acabar".

A presidente do STF, sobre a possibilidade de anistia ao caixa dois por parte do Congresso Nacional, reafirmou sua posição, já revelada pela primeira vez em um voto indignado no processo do mensalão, quando sentenciou: “Caixa 2 é crime”. Ontem ela disse: “- Não existe essa história de caixa um, ou caixa dois, ou caixa três. Se vier de dinheiro ilícito, constituem-se em ilícitos previstos na legislação penal. E tudo que for ilícito e crime tem que ser apurado e punido”.

Ela não se recusou a comentar sobre o papel do Supremo caso uma medida como essa venha a ser adotada pelo Congresso: “- Eu espero que todo mundo tenha prudência para saber que, num Estado de Direito, o Direito é para ser respeitado. (...) Até porque o Direito existe para que a sociedade viva em paz. Todo mundo cumprindo, e respondendo por aquilo que foi feito errado. Se houver algum tipo de tentativa nesse sentido, o Poder Judiciário vai ter de atuar”.

Deltan Dallagnol, no aniversário de três anos da Lava Jato, disse que ela representa o rompimento do ciclo de corrupção histórico no Brasil. “Mas mudanças dependem de irmos além." A presidente do Supremo Tribunal Federal foi na mesma direção: “O momento é de crise grave, mas pode propiciar um período de construção ou reconstrução segundo bases éticas que a sociedade brasileira não só espera, mas merece. Dificuldades existem para ser superadas”.

Perguntada se a Lava-Jato pode levar a um processo de transformação da sociedade, disse Carmem Lucia: “Todas as vezes em que há uma crise no sentido da instabilidade das instituições, de como vinham funcionando, para uma modificação, é sempre uma oportunidade muito grande de a sociedade tomar ciência de que o Estado é ele, Brasil, não é o servidor público, o agente público”.

Os procuradores de Curitiba advertiram várias vezes que é preciso uma vigilância permanente da opinião pública para que não haja retrocesso. É o que pensa a ministra Carmem Lucia: “Se não houver manifestação, há um certo comodismo por parte das instituições, especialmente nas instâncias burocráticas. Então, eu acredito que vai haver uma possibilidade de transformação a partir de uma experiência penosa, traumática, difícil, ruim para todo mundo. O brasileiro não está feliz, acho que nenhum ser humano consciente, responsável no mundo, está”.

Há esperança, pois, de que avancemos nesse processo de purgação dos pecados nacionais. E a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que “há juízes em Brasília” para garantir a democracia.  
 

O Globo, 18/03/2017