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A ponte

 

Pontes são símbolo de desperdício no país.

Folha Cotidiano, 18.07.2005
 




A administração queria se consagrar com uma obra monumental, uma obra que fosse vista de longe, que passasse para a história do país como uma maravilha arquitetônica. Muitos projetos foram examinados, mas optou-se por uma ponte, uma grande e moderna ponte. Custou quase o orçamento inteiro, mas ao fim de dois anos estava pronta, aquela coisa gigantesca, com vários vãos e uma altura superior a 30 metros.


Só que não passava rio algum sob a ponte e isso de imediato começou a ser criticado pela oposição. "Não pode se dizer que muita água passará sob esta ponte", escreveu o líder oposicionista em artigo de jornal, "pela simples razão de que a ponte foi construída no seco". Reconhecendo o erro, a administração tratou de saná-lo. Um rio próximo teve seu curso desviado, de modo a passar sob a ponte. Os pescadores locais gostaram muito, porque podiam pescar da amurada, mas logo outro problema apareceu: rio já havia, mas nenhuma estrada chegava à ponte, nenhuma estrada saía dela. O líder oposicionista voltou à carga: "É como aquelas famosas pontes que unem o nada a coisa nenhuma". De novo, o erro foi reconhecido, e começou imediatamente a construção de uma estrada, que não era muita longa, mas tinha duas pistas, canteiro no meio e, claro, um pedágio. A estrada foi inaugurada com muita festa, mas já no dia seguinte um terceiro problema era trazido à baila: tanto ao norte como ao sul a estrada terminava abruptamente, no meio do deserto descampado. O líder oposicionista disse que não usaria a expressão "unindo o nada a coisa nenhuma", para não se repetir, mas não deixou de assinalar o absurdo. Diante disso, dois conjuntos habitacionais foram construídos, um em cada ponta da estrada, para serem entregues à população.


Só que ninguém foi morar ali. Afinal, não havia qualquer local de trabalho na região, nenhuma fábrica, nada. As casas acabaram sendo demolidas. A estrada, esburacada, desapareceu, engolida pelo mato. O rio, para desgosto dos pescadores, secou.


Mas a ponte, muito bem construída, continua no lugar. E agora, sim, tem uma função. Debaixo dela moram pelo menos umas dez famílias. Acham o lugar um pouco apertado, mas pelo menos não pegam chuva. E morar sob a ponte não deixa de ser romântico. Não tão romântico quanto certos sonhos grandiosos, mas romântico mesmo assim.




Folha de São Paulo (São Paulo) 25/07/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 25/07/2005