A diferenciação entre políticas de Estado e de governo não é nítida, admite o jurista Joaquim Falcão, fundador da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e um dos criadores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Ela muda com a história, ‘o Estado sou eu’, (como agora acredita o presidente do STF, ministro Dias Toffoli), a geografia, a cultura, a religião (como no Irã atualmente)”.
Joaquim Falcão defende um critério mínimo, que classificaria as Forças Armadas (polícia inclusive ), Justiça e Relações Internacionais (Itamaraty ) como carreiras de Estado, como definidas pelo ex-ministro Bresser Pereira na reforma administrativa do governo Fernando Henrique Cardoso.
Foi por este critério, lembra, que defendeu nos anos 2000 o Pacto pela Justiça como um pacto de Estado, como aconteceu na Espanha. “O Toffoli iniciou-se (na presidência do STF) propondo um Pacto Republicano, incluindo reforma da Previdência. Mas presidente do Supremo não tem competência legal para propor ou opinar nada sobre o que terá de julgar”, adverte Joaquim Falcão. Política de governo, a “policy”, é mais conjuntural. Finalmente, outro critério seria a Constituição. As estruturas do estado democrático de direito constitucionalizadas seriam de Estado.
O jurista José Paulo Cavalcanti, ex-ministro da Justiça, membro da Comissão da Verdade, também separa o estrutural do conjuntural. No primeiro caso, haveria carreiras de Estado, interesses de Estado, políticas de Estado. No segundo, só conjunturas, políticas de Governo.
Mas ele admite que se trata de um tema complexo, para o qual seria necessário haver algum tipo de consenso prévio em relação à necessidade, ou conveniência, de uma determinada política pública duradoura. Para além do contingente. E como isso se dá no mundo real?, eis a questão, comenta.
“Quando já estiver na Constituição é até simples. O que nos leva a tentar precisar a vontade coletiva que deveria estar na base de uma ‘política de Estado’”. Como é que ela se daria? Por plebiscitos? Referenduns? Simples pesquisas de opinião?.
Ele entra no debate dos decretos sobre armas. “Houve plebiscito, em que puderam votar todos os brasileiros habilitados. E mais de 70% escolheram poder guardar em casa uma arma. Há, nesse caso, uma vontade popular expressa por um instrumento da Constituição. O resultado foi certo ou errado?, não importa. Cada um pôde expressar sua opinião”.
As dificuldades começam, comenta José Paulo, quando o governo pretende dar cumprimento a essa vontade popular em uma espécie de política. Estamos vendo isso agora. E o governo é criticado precisamente por operacionalizar uma política de Estado que foi definida em plebiscito. “As diferenças entre as tais políticas, de Estado e de governo, ficam turbadas”.
O jurista José Paulo Cavalcanti ressalta que uma “política” não pode ser implementada por palavras. Mas por atos concretos. “Quais as alterações, concretas, propostas para a Constituição? Quais os projetos de lei apresentados? Quais as medidas administradas?”.
A ampliação do alcance do aborto, outro exemplo de política de Estado saída de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro aposentado Eros Grau considera esse um exemplo de juízes fazendo sua própria lei, título de um texto que escreveu sobre o assunto, explicitando sua revolta contra o aborto.
“Não há nenhuma dúvida, pois, a respeito do fato de que o que há no aborto é destruição da vida. Um filho anencéfalo morto pela mãe sob a influência do estado puerperal é um ser vivo. Sua morte pela mãe consubstancia, um homicídio. Então, pergunto: por que não seria criminoso o assassinato de um feto anencéfalo, que — repito — pode receber doações, figurar em disposições testamentárias e mesmo ser adotado?”