A disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público, que se tornou explícita com o sucesso da Operação Lava-Jato, continua forte nos bastidores, e uma frase da coluna de sábado provocou várias reações de delegados da PF, algumas destemperadas, outras se valendo do bom senso para refutar a afirmação de que "houve até tentativas de acordos com os políticos por parte de membros da PF, que, ao mesmo tempo em que acenavam com facilidades para o interrogatório dos políticos, faziam lobby para aprovar Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que dá autonomia à PF"
Os delegados da PF alegam, com certa dose de razão, que não os ouvi e adotei a versão que interessava ao Ministério Público sobre o caso. A base da divergência é o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 412, que transforma a PF em agência autônoma, com independência administrativa e orçamento próprio, apoiada pelos delegados, mas rejeitada por outras categorias da própria PF, como agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos.
Como registrei em outra coluna, o perigo de promiscuidade ficou evidente quando o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio, reuniu-se com o senador Humberto Costa, do PT, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, e com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Arthur lira, do PP, todos acusados na Operação Lava-Jato.
É claro que, no mínimo, o momento não era apropriado para pedir favores a parlamentares, muito menos àqueles investigados pela corrupção na Petrobras, o que gerou o ruído sobre troca de favores entre PF e políticos, que assumi como verdade pela qualidade das informações recebidas, e não apenas ligadas ao Ministério Público. Não tenho nenhum interesse em adotar um lado nesse debate, muito menos desmerecer o trabalho da PF ou do MP.
Ao contrário, preocupa-me essa dissintonia entre duas instituições fundamentais à democracia. A PF já deu inúmeras demonstrações de independência, e por isso mesmo atrai a admiração da sociedade. O debate sobre a autonomia da PF tem lados positivos, como a necessidade de "garantir a previsibilidade necessária à execução dos planejamentos estratégicos e operacionais" como escreveu o delegado de Polícia Federal Edson Garutti, da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Verbas Públicas - SP.
Segundo ele, a oscilação das verbas se deve exclusivamente à gestão política dos recursos da Segurança Pública, e impede planejamento de ação de curto ou médio prazo. O delegado Garutti garante que a autonomia administrativa e financeira "em absolutamente nada interfere no controle externo da atividade policial, exercido pelo MP com relação à atividade fim de Polícia Judiciária da União"
O MP, no entanto, considera que a autonomia da PEC "concede ao gestor da Polícia Federal poderes para gerir verbas ilimitadas e para fazer qualquer modificação administrativa, inclusive normatizar as diferentes funções do órgão, sem que isso passe pela análise do Congresso" razão pela qual as demais categorias da Polícia Federal são contrárias a ela.
Os procuradores consideram também que ela "impede o constitucional controle externo da atividade policial pelo MP" e advertem que "não há exemplo histórico de democracia que tenha sobrevivido intacta quando Forças Armadas ou polícias tenham se desvinculado de controles. Em suma, não há democracia com braço armado autônomo e independente."
Os delegados consideram que a Polícia Federal tem tido sua atuação fortemente limitada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, cujo intuito se aproximaria mais à criação de uma "Polícia Ministerial" submissa e subordinada, do que em bem amar com suas atribuições perante o caso mais importante do Brasil nos últimos anos, o petrolão.
Tendo a achar descabida uma autonomia da Polícia Federal sem que fiquem bastante claros os limites de sua atuação e a sua subordinação ao controle externo. Mas louvo a atuação da PF na democracia e reconheço como essencial sua ação, ao lado do MP, para o desven-damento de casos como o petrolão e outros afins.
A democracia só ganharia se essas duas instituições essenciais à sua proteção encontrassem um caminho comum para suas atuações, sem essa disputa que só beneficia os bandidos.